segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Uma arrepio na espinha sem um brilhozinho nos olhos

Foi há muitos anos. Tinha saído de Zamora decidido a chegar ao País Basco antes do anoitecer. Uma exasperante dor de dentes e a constrangedora fealdade de Valladolid levaram-me a desistir e “descer”. Já que, de qualquer forma, não dormiria, empreendi a viagem durante a noite e cheguei a Segóvia antes do raiar da aurora, ainda o nevoeiro vedava acesso ao que algumas horas mais tarde veria - e que, tal como na altura pensei, nunca mais esqueci - a partir de uma janela do quarto que aluguei num hostel, como sempre foi nosso (meu e dela) costume. Foi aí mesmo, deitado na cama a olhar para o Canal Sol, que o vi. Em concerto. Achei aquilo, no mínimo, melódico, que é quanto basta para darmos uma oportunidade. Foi isso que fiz. O Luca encarregou-se do resto e gravou-me o álbum Play (1999). Foi desta forma que comecei a ouvir Moby e o fiz incessantemente durante seis meses. Depois, cansei-me. Penso que seja a isso que se chama o easy listening. Easy listen, easy go. Dois anos depois, na televisão portuguesa, um spot publicitário. Uma praça em Guimarães, Património da Humanidade, um aguaceiro, malta jovem e bem-parecida correndo a abrigar-se num estabelecimento e numa Super-Bock. Ridículo. Ridícula a atitude de abrigarem-se de um aguaceiro numa cidade com mil arcadas e fazê-lo numa Super-Bock, quando toda a gente sabe que uma Sagres cumpre muito melhor o objectivo. A música? Não me lembro do nome, mas ouvia-se: Why Does My Heart Feel So Sad? Um mês depois, toda a gente tinha o álbum em casa. Dois meses mais tarde, o Centro Comercial Vasco da Gama já não deixava fluir das colunas um plágio dos Beatles ou do Frank Sinatra, adquirido em promoção numa decadente Valentim de Carvalho. Pouco depois, era número um. Poderia ter-me dado ao trabalho tentar perceber porque é que só dois anos depois da edição do Play e quatro do lançamento do rapaz com o I Like To Score, este passa a ser um sucesso. Não interessa. Não é isso que interessa. A música do Moby não é nada de especial. Não inovou. Não quebrou barreiras. Não gerou movimentos. É melódica, ponto. E isso é suficiente durante algum tempo. Nunca mais prestei a mínima atenção ao rapaz. Não lhe dou, hoje, credibilidade suficiente para fazer parte das minhas escolhas. E ontem, num zapping frenético, reconheci-lhe a voz:
Hold Onto People, They’re Slipping Away
É sempre assim. Quem não nos inspira qualquer admiração acaba sempre por dizer, de quando em vez, uma verdade. E aleija ainda mais, assim.

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