sexta-feira, outubro 30, 2009

Artigo da edição de Novembro da Blue Cooking (Short Version)

E, de repente, por entre os ramos de duas árvores irreconhecíveis, de entre tantas que fazem este Jardim de Cheiros, quintaleco de tudo o que é necessário para confeccionar, com a devida reverência, alguns dos mais tradicionais pratos da Royal Thai Cuisine, voa, de um só salto, um esquilo branco, como uma pequena pérola entre um tesouro esmeralda, uma ilha de jade numa cidade onde nada disto se julgava possível. Porque tudo o resto é!

quarta-feira, outubro 28, 2009

Downward Spiral

Descem ambos as pequenas escadas que levam ao piso inferior do comboio. Perscruta ele, olhos azuis de brilho ensonado, eventuais lugares que lhes permitam ficar juntos. Espera ela, olhos azuis sem qualquer brilho ou emoção, que ele os encontre. Sim. Estão diante de mim. Vazios. Detecta-os ele, segue-o ela, vazios ambos. Dá-lhe ele passagem para o lugar à janela, senta-se no outro e, de um dos dois sacos que coloca aos pés, retira duas caixas de plástico verde, estilo Tupperware (se não mesmo). Estende uma à companheira. E este gesto é, como todos até agora e a partir daqui, tão mecanizado que as palavras não existem e os olhares não se cruzam. Abrem, ambos, o recipiente, e retiram, numa coreografia robótica, arrepiantemente desprovida de emoção, como se a partilha nunca o fora, a sandes mista de pão estilo Bimbo-sem-côdea, que comem sem qualquer paixão, tudo isto é apenas mastigar um determinado número de vezes, engolir de seguida, como quem recolhe a agulheta de Sem Chumbo 95 e atesta o utilitário escolhido em função das dimensões e subsequente facilidade em estacionar mais próximo da repartição. Ele acaba primeiro. Deposita a caixa num dos sacos. Ela acaba depois, mas já ele estica a mão, ciborgue revestido a pele orgânica que continua a contemplar o vazio, algures em frente, mas sabe em que preciso momento deve recolher o recipiente do ser biónico ao lado e deixá-lo no tal saco. Não suspiram, não se recostam, agora que o alimento deveria conceder algum conforto, não se movem um milímetro. Olham ambos em frente, o diminuto horizonte da carruagem feita paisagem de qualquer coisa, mas dão, agora, as mãos. A distância que se sente, porém, não atenua. O frio contacto de duas extremidades de membro onde corre um sangue que é o de cada um não aquece... nem arrefece... não nada... e tudo o que estes foram um dia, ou poderão ter sido, não se adivinha agora. A vida das gentes é, sinto eu, cada vez mais uma gélida estepe onde um, apenas um, solitário arbusto espera que lhe colham fruto. Mas o eterno inverno adia, sequer, que a flor descerre.

quarta-feira, outubro 21, 2009

Passem por mim neste post e sigam...

- INTRO -
Dêem-nos um CR9 com bailinho da Madeira nos pés e temos aquilo que é, hoje, o mais puro Orgulho Pátrio.
Eu, que sou mais Natália Correia, tenho um apego à Mátria que não me permite endeusar, embora também não consiga retirar-lhe qualquer mérito, uma pessoa que não sabe onde meter o til na palavra pão! A Pátria do Pessoa era a Língua Portuguesa. Eu não irei tão longe. Mas exijo uma pátria que mereça o Saramago, como pediu Mestre Almada para ele próprio.

I. Consegui, ao longo do tempo, e ainda que a custo, soltar amarras destas fundações católicas apostólicas romanas que nos levaram a um marianismo exacerbado, de velas na mão, ferindo os joelhos no cimento da Cova da Iria, deitando ex-votos ao eterno fogo da danação que é não pensarmos por nós e esquecermo-nos de um passado histórico que poderia ditar um futuro auspicioso. Tudo isto em que Portugal se tornou, asfixiado pelo dogmatismo, deixou para trás, porque o nega, um Cristianismo mais puro e belo, como o que assistiu ao nascimento de Portugal. Daquele que escusa e, paradoxalmente (ou não) nega, inclusivamente, o Velho Testamento (VT), isto é, a Tora Judaica, aquela que foi anexada ao Novo Testamento (NT) pelos Judeus quando, há dois mil anos atrás, perceberam que tinham razões para temer que um futuro que julgavam seu por direito pudesse ser, a partir dali, de uma gente que, subitamente, havia visto a luz, a compreensão e o perdão e esqueceram, embriagados de amor, o tal deus que os Filhos de Abrãao temiam. Acreditar que Jesus existiu nesse tempo poderá, assim, depender da leitura do NT. Acreditar que ele fez milagres depende apenas do nosso sentido crítico, independentemente de sermos sensíveis a fábulas que tornam, objectivamente, mais bela a vida. Crer que JC disse tudo aquilo, falando por parábolas, é ter sensibilidade para estórias bonitas. Segui-las como a ensinamentos é uma espécie de budismo de nova geração, sem rituais mas com uma impagável consciência tranquila de quem leva os dias em Paz. Consigo e com os outros.

II. Ecoam, nas cúpulas e abóbodas e claustros das igrejas e conventos e mosteiros portugueses frases que parecem ter saído de um filme de terror, no qual alguém exorcisa uma criança que recebeu em si o mafarrico e, por isso, expele pela boca uma matéria verde, faz a cama tremer e saltar (isso também os meus vizinhos de cima e, ainda por cima ela está nos últimos meses de gravidez), rompe o hímen com um crucifixo e grita impropérios ou apenas Padre Merriiiiiiiiiin. As costumeiras Sende temente a deus e deus tudo vê e castiga são, de entre tantas outras, as para aqui chamadas. Ser português crente é culpar deus por um filho com trissomia 21 ou outro infortúnio qualquer. Ser português crente vizinho de um português crente pai de um filho com trissomia no 21 é dizer, à boca cheia, Alguma coisa ele fez para merecer isto. Fundado na tradição importada dos escritos em hebraico, o antiquíssimo ritual do Bode Expiatório, mediante o qual os pecados do ano transacto são transferidos para o pobre ruminante que os leva para o deserto, onde é abandonado, assume, no catolicismo, a forma da Confissão. O pecador conta, com mais ou menos pormenor, os seus pecados ao pároco que, então, o manda rezar X Avés Maria, Y Pais Nossos e... fica tudo bem. Uma filha abusada sexualmente, um roubo inocente de 10.000€ da conta do patrão, um tiro na mulher que estava a ser sodomizada pelo moçambicano da churrasqueira, tudo vale porque, no Domingo seguinte, o Pastor ouvirá, na sua infinita paciência, encomendando, de seguida, e sibilando a cada S, mais umas rezazinhas.
Estático está, há dois milénios, um senhor de barbas e ar torturado, embora plácido, magérrimo, carregando a cruz que é ver tudo isto, tão longe do que professou, a decorrer impunemente diante dos seus semicerrados olhos.

III. Se pode ser facilmente concluído que o catolicismo não permite que a beleza descreva, no ar, brilhantes espirais ascendentes, qual efémera, mesmo que o fosse, que os seus dogmas oprimem sentimentos puros porque sinceros e sinceros porque puros, que o vasto rebanho que segue o seu pastor vê o verdejante prado onde deveriam ser, apesar de tudo, livres e senhores dos seus actos ser, tantas vezes, transformado num pequeno cubículo cercado de arame farpado feito ameaças escritas num livro que é o Best Seller mundial mas não tem QUALQUER relação com o Cristianismo, que ser-se católico é diametralmente oposto a ser-se o Poeta à Solta de que falava o Professor Agostinho, fica, no entanto, por explicar, como é que leva, também, à ingratidão. É que apesar de gostos serem gostos, uma coisa é inegável: Saramago é BOM. É Grande. Não foram o panorama editorial português nem os seus leitores lusos que o disseram, isso seria, lá está, uma questão de gostos. Foi a Academia Sueca. O Nosso Nobel deveria ser, pois, motivo de orgulho. Não mais que o Pessoa, Vasco da Gama, Camões, Manel Cruz, Aristides Sousa Mendes, Mão Morta, Garcia d'Orta ou Egas Moniz. Mas, por deus (mas o outro), sejamos minimamente humanos... Celebremos, com pompa e circunstância, a liberdade de expressão como pedra basilar da criação artística. Pode ter sido uma manobra publicitária do próprio, sim. Isso não invalida que ele valha como romancista e, sobretudo, como homem. Ademais, não vi ninguém criticar o Sousa Tavares quando, com o mesmo intento, e sabendo que poderia vender alguns milhões mais de exemplares de Equador no Brasil, defendeu a fedelhice da Maitê. Saramago ergue-se muito acima da generalidade dos autores portugueses actuais. E o que fazem os homens para quem escreve, já que o Português é a nossa Mátria? Soerguem-se com mil pedras na mão. Isso foi o que fez Caím. Ao próprio irmão. E sim, é uma história violenta e sanguinária, a invenção do homicídio. E não, nunca contaria tal episódio ao meu filho! E toda esta pseudo-nação de católicos castrados pelo Vaticano e cegos da profunda ignorância que é serem levados a viver uma vida oca de espiritualidade e plena de fealdade... não passam de uma cambada de Judas! A quem, apesar de tudo, Jesus perdoou!

terça-feira, outubro 20, 2009

POESIA Conceptual

Está um dia a
abater
bater
ater
ter

sexta-feira, outubro 16, 2009

Choses qui Restent - Tomo 1.918 (It's a Small Small World)

Numa qualquer noite quente de um mês qualquer de 1996...

... o Captain Kirk está, como sempre, ao rubro. Como é que tanta gente ali cabia sem que se acotovelasse, a não ser que por carícia, é mistério por resolver. Nesta véspera do meu primeiro concerto dos dEUS na Aula Magna, e num mar de seres estranhos que ondulava ao som de trip hop em consecutivas vagas de contemporaneidade feita Londres e Berlim numa Lisboa que agonizava, em saloíce, nas Docas e na 24 de Julho estavam, porém, duas personagens que pareciam, superficialmente analisado o conjunto indumentária/penteados, personagens retirados, de fresco, de um álbum de Enki Bilal. E foi só cá fora, já a caminho de um Kremlin que fechava mais tarde e em suficiente loucura para podermos acabar a noite com a devida sensação de dever cumprido, que nos lembrámos, entrando na Nissan Vanette estacionada (nesse tempo ainda era possível), em pleno Largo da Misericórdia, Cauteleiro atento a eventuais interessados na perpétua carga do veículo, entre pranchas e fatos, camisolas e calções cobertos com toalhas de praia que intentavam, sem qualquer sucesso para os mais (ou menos) observadores, omitir tanto material que faria uma manhã de razoável lucro na Feira da Ladra, que alguém se lembra que tanta excentricidade poderia, enfim, indiciar que estávamos perante THEMSELF, até porque a formação de então era ainda uma incógnita, sendo a (infeliz) saída de Stef Kamil Carlens a única certeza absoluta. É, pois, pela janela do pendura (a minha), que vejo os tipos passar, num misto de desorientação de turista e entorpecimento por via de substâncias que, no Captain, apareciam, como que por magia, e não raras vezes, sobre o balcão, com a implícita indicação Com os cumprimentos da casa. Inversão de marcha, sentido descendente e, junto do passeio, o dIAZ pergunta Hey guys, aren’t you playing tomorrow?... dEUS, right? e o então baixista, que cerca de dois anos mais tarde diria adeus à banda para dar início, com a (belíssima) namorada, ao projecto Vive La Fête, respondeu Yeaaaaah... you guys have coke?, e eu Hé pá não, mas podemos fumar ervinha que apareceu em mangas de pipoca lá para os lados da Fonte da Telha até o efeito ser minimamente parecido e eis que a porta desliza, entram de rompante e acompanham-nos em tépida cavaqueira, porque Só queriam beber um copo e conversar e já chega de música para dançar e corpos a suar, dito num francês macacóide que calculo se fale lá para Antuérpia. Não me lembro muito do resto, pelo menos até chegar ao Porão de Santos, já noite avante, sítio onde não entraria a não ser por razões fortes ou um grave estado go with the flow. Suponho que tenha sido isso que aconteceu. Lembro-me que o Carlos estava num dos seus costumeiros estados Chato-Cumá-Putassa e o Fontinha no estado Nem-Sequer-Tenho-Bilhete-Para–Ir-Ver-O-Concerto-Amanhã-Mas–Estou-A-Curtir-Que-Nem-Um-Doido-Com-Estes-Novos-Amigos-Que-Fiz. Por sorte, estava, simultaneamente, e como de costume, no estado Estou-Cheio-De-Dinheiro-E-Só-Paro-Quando-Não-Tiver-E-O-Multibanco-Mais-Próximo-Também, o que deu imenso jeito quando o percursionista, de cujo nome não me lembro, mas tinha assim um ar que ficava ali entre o Extraterrestre, o Alienado e o Completamente Louco, "reparou" que não tinha dinheiro para pagar a morcela que comera, à mão cheia e sem pão (lembro-me sempre do ancião dIAZ a dizer-me Comida sem pão é comida de galinfão), acompanhada de 10 ou + cervejas e rematada com trinta e quatro arrotos e meio que perfumaram todo o bar de cominhos e sangue cozido ao mesmo tempo que perguntava a quem lhe pagava a mesma Mas não tens bilhete para amanhã? Então qual é o teu nome completo? e depois lá fomos ziguezagueando pela 24 até ficarmos imobilizados em Alcântara devido à passagem do comboio de contentores da Evergreen, e Danny Mommens sai da carrinha para gritar Evergreeeeeen... always greeeeeeeeeeen e entra outra vez e acende um cigarro e aí vamos nós e deixamo-los à porta do então Penta, hoje Marriot e, no dia seguinte, enquanto eu e o Carlos estávamos nos últimos lugares da bicha ainda antes da abertura de portas, o Fontinha estava, expectante, na porta VIP e foi, por acaso, o primeiro nome a ser chamado e já tinha bebido não sei quantas cervejas quando eu e o outro nos conseguimos ver intra-portas.
A coisa decorreu com a normalidade que era, naquele tempo, quando não havia internet e a música alternativa era mesmo para quem tinha paciência de procurar em milhares de caixotes na Carbono - Av. Almirante Reis ou dinheiro para comprar a Uncut na Tema - Av. Liberdade, ir a um concerto de uma banda de culto com fracas possibilidades em termos de equipamento de som. No Turnpike, a electricidade foi abaixo 3x... o Roses chegou a dada altura numa cacofonia imperceptível. O mesmo vai, mas desde os primeiros acordes, para o Suds and Soda. Mas foi bom. E, como prometido, fomos ter ao backstage, mas os seguranças não nos deixaram entram, mesmo perante o But they're Danny's friends, man, what's the matter? do próprio Tom Barman, e o Danny lá atrás Never mind, man, we'll meet you at Kirks again e, nós, sem quaisquer esperanças, lá fomos. Não lá chegámos. Porque demorámos muito cá por baixo e, ali para o início da Rosa, Tom Barman estava a ser sugado por uma sanguessuga impúbere, e só parou porque nós, em uníssono, Hey Tooooom, e ele Hey you guys, did you like the gig? e mais não sei o quê e genuinamente interessado porque tanta coisa havia falhado e a pita, num inglês de Albuféra, suplicava C'mon, Tom, let's go de uma forma tão insistente que, às tantas, o homem quase gritou Shut up for a minute! People are talking!, e continuámos, então, o Carlos outra vez no modo CCP, o Fontinha em tom paternalista para a moçoila Olha lá... mas estás a falar inglês comigo também pra quê, pá? Eu já te topei, pá! e ela Deixem-me lá comer o gajo, pá, a Magda, que entretanto encontráramos por ali, a bicaense que eu, malfadadamente (ou não), conhecera na Ilha do Pessegueiro, apenas a olhar, com um ar divertidíssimo, para todo este WorstCaseScenario e eu, então como hoje, com um enorme Mas tu não reparas que sem o Stef a banda não é a mesma coisa? entalado na garganta!

Numa qualquer noite quente de dia 10 de um mês de Outubro qualquer de 2009...

Agora que já somos um país modernaço, com cheiro a Europa da boa, nesta Lx mais wannabe que nunca, tem que se vir fumar à rua. Na mesa ao lado da nossa, a morangada, Solnado, Pereira incluídas, desejava ter, ao lado do autocolante Proibido Fumar um outro, vermelho também, Proibido Pedir Autógrafos a Bem de Um Jantarinho Descansado. A mim não me pedem nada disso. Quando sim, é um cigarro. Na rua. Onde estou. Rua da Bica de Duarte Belo. Um pé em cada carril. Olhando a interessante transparência de umas cortinas do número 40 que permitem ver um corpo feminino despojado de roupas e arrefecido a ritmados golpes de leque ferindo o ar quente. Por pouco não o via... é que Passa Por Mim Na Bica aquele que me parece ser o Tom Barman... Hey Tom, e ele Hey... I Know You Maaaan e eu Ah pois lembras... do teu segundo concerto por terras lusas e, uns anos mais tarde, aquando do concerto dos Vive La Fête no Grémio Sesimbrense que coincidiu, mais ou menos, com a estreia do teu "Vai Onde o Vento Te Leva", estavas acompanhado do actor que era o personagem principal do filme e que também entrou no vídeo do "Roses"! e ele Yeah Man, you had long hair e eu Yah yah esquece lá isso... olha lá, não vens cá dar concertos pois não? e ele No, man, I'm on vacations, just showing Lisbon to some friends e eu E filmes, não? e ele Wow, I'm done with that... took me all my money mas tudo, TUDO o que eu queria ter dito era, mais uma vez, Mas tu não reparas que sem o Stef a banda não é a mesma coisa????

E vem-me à memória a Band In A Box, no Villaret, logo após a Lykke Li, no mesmo espaço, e a Santogold, no Tivoli do outro lado da Avenida... duas horas inteirinhas a pensar como seria hoje os dEUS se o Stef não tivesse seguido numa direcção tão oposta!

terça-feira, outubro 06, 2009

One night in Bangkok...

... and the world's your oyster
The bars are temples but the pearls ain't free
You'll find a god in every golden cloister
And if you're lucky then the god's a she
I can feel an angel sliding up to me


Sukhumvit Road é, como tantas outras na Bangkok longe do Mae (rio) Nam Cha Phraya, uma longa avenida, onde o trânsito é uma enorme locomotiva que ocupa, imóvel, as três faixas de cada sentido, a sinfonia de buzinas, ronco de motores de tuk tuk e chiadeira do skytrain nos carris, dez metros acima, em nada afectam a vida que, nos passeios, decorre sob a lânguida batuta de um calor que, à noite, poucas tréguas dá a estas figuras fantasmagóricas por entre o fumo dos woks. Ainda antes de se tornar Rama I, lá para as Soi 6 e 7 (em Bangkok, há as ruas e as suas perpendiculares, ou Soi, que têm numeração ascendente na direcção do rio), está-se em Nana, alguns degraus evolutivos acima das Soi Patpong 1 e 2, na Silom Road. Porque enquanto Patpong tem a fama, que lhe provém, mormente, dos inúmeros salões de massagem e ping pong show, anunciados numa circense profusão de néones com inscrições do estilo Super Pussy, que retive por razões que, a mim, me parecem óbvias, retire o leitor as conclusões que bem entenda, Nana furta-se a estabelecimentos que, sob o diáfano pano dos espectáculos onde moçoilas projectam bolinhas com a vagina, fumam cigarros Krong Thip com a vulva ou bebem whisky tailandês de sorriso largo e bonito, perguntam, afinal, lá para meio da massagem de duas horas: Would you like a happy ending, sir?, em Nana tudo está à vista. São prédios inteiros onde, em todas as portas de todos os andares podemos entrar e escolher quem há-de passar o resto da noite na nossa companhia. Mulheres, miúdas, gays, lady boys (a designação turística tailandesa para travestis que, garanto, já devem ter enganado muito hetero que, só falta saber, à altura da respectiva apalpação, ou se roeu da má sorte ou, olha, já que estou tão longe e ninguém me vê, antecipo o toque rectal que se avizinha com um pouco mais de exotismo), tudo vale em qualquer porta. Certa noite, este dIAZ que vos fala observou, qual David Attenborough da má vida, um fenómeno, no mínimo, inaudito. De dentro de um tuk tuk imobilizado no interminável e incessante engarrafamento, 2 a.m. (20h em Lisboa), vejo as ruas, os passeios, as vielas, os becos, as passadeiras aéreas encherem-se de mulheres que regressam a casa, um enxame de beleza onde ninguém destoa numa colmeia onde todas são rainhas. Eu, obreiro, decido que é já no dia seguinte que TENHO de ver isto no righteous place. E dou por mim a ser convidado para me sentar What would you like to drink, sir? (Uma Singha, claro, pá!) num sofá em frente a duas... como chamar-lhes... MONTRAS! No interior de cada uma estão cerca de 20 mulheres segurando placas com números. As da montra esquerda são visivelmente menos atraentes que as da direita, todas mais novas. Algumas acenam para a webcam do laptop que apoiam sobre o joelho, num live cam show algo estranho para mim, que estou ali e não no outro lado do mundo. As que não, ora olham para mim, que estou sozinho no bar, ora umas para as outras rindo e segredando algo em Thai que, não menos ali que noutras situações, tenho pena de não dominar. A proprietária (ao que julgo), entrega-me a Singha Beer (diz-se Singh) e explica, num dicurso que invejaria qualquer comercial da TV Cabo ou Citi Bank As da esquerda são 1750 Baht e as da direita 2750 Baht, diferença essa que se justifica pelo facto de haver quem tenha dinheiro para um Ferrari e optar, obviamente, pelo Ferrari, ao passo que quem apenas possa adquirir um Toyota fá-lo-á sem hesitações e, claro, deslocar-se-á para todo o lado sem problemas, com a óbvia diferença de não o fazer com o mesmo prazer que faria num Ferrari.

E eu dava muitos mais bahts para ver, naquele preciso momento, a minha cara! Até porque a senhora olhou-me durante mais um pouco e disse, com toda a calma do mundo e um sorriso de mamã que está prestes a passar Vick no peitinho do menino I think it's probably better that I get your bill, right? E eu nem tinha dado um só gole na jolinha...

Deixei de traçar estereótipos no que a Música concerne...

... desde que topei a mesma banda (do meu agrado) debitar, no mesmo disco, deixas tão diversas como No More Pussyfooting With You e Now It's All a Funeral, You've Become a Serial... Killer Of Us Both!

Entretanto, a Madonna lança um novo álbum, na precisa altura em que, como seria de esperar pela previsibilidade da maioria dos terráqueos, o Michael Jackson volta a soar em toda a esquina...

... e não sei por quanto mais tempo vou conseguir ficar em silêncio!

sexta-feira, outubro 02, 2009

Do outro lado da ponte...

... separa-nos o rio Kwai, é a azáfama que se tornou, em poucos dias, parte de mim, uma espécie de companhia calorosa para além deste calor que sufoca, obriga a muita água, de coco ou não, cerveja Singha, bem melhor que a Leo, ou ao sumo de umas tangerinas que de verdes só têm a cor, porque três colheres de açúcar nas nossas não igualariam tanta doçura, como aquela nos olhos rasgados deste povo, afabilidade budista aparte, beleza feminina, de boca carnuda e pele luzidia, também. Andar pelas ruas de Bangkok é uma arte, um slalom com trejeitos de corpo suado, por entre fumo de incenso e woks em eterno fervilhar de tempuras de tudo, odores doces, ocres, um risco de luz de sol a pino que rasga a penumbra de um mundo que me é tão longínquo quanto apetecível, sofro de amor por isto, como se ainda agora estivesse em torpor de paixão para adivinhar que, um dia, nada mais restasse que um post it sobre os lençóis encardidos "Foi bom, mas parto". Andar por outras ruas, longe da capital, é toda uma outra viagem. Neste caso em particular, sei apenas que a viagem de autocarro durou mais de uma hora. Ainda não me dei ao trabalho de olhar para o mapa por estar deliciado com a imprecisão, uma forma vagabunda de se estar perdido com uma despreocupação que permite sorver tudo isto com papilas gustativas e globos oculares e tímpanos com a afinação em modo sharp. Não percebo, sequer, se este sítio é uma aldeia feita, por agora, em mercado, se é um mercado onde as gentes vivem, para lá das bancas, porque não há caos mais ordeiro que poder passar para trás das mesmas para aceder à ruela paralela e, nesse curto percurso, passarmos por camas e tv's e pratos por lavar e crianças adormecidas em redes, uma pequena madeixa de cabelo que se move a ar de ventoínha apontada em cheio. Nada se compra sem provar. Dos patos assados (cabeça e patas incluídas, olhos brancos) aos peixes doces, das baratas cozidas em erva limeira (chá príncipe) aos casulos recheados da respectiva crisálida, grilos, formigas-de-asa com malaguetas verdes e cebolinho, peles de tigres e garras dos mesmos (paradoxalmente, os monges tibetanos insistem em usar uma faixa tigresse, mesmo depois do Nosso Senhor Dalai já ter alertado para a questão), chego, entretanto, a um alguidar com tartarugas. Vivas. E em todo este encantamento, esta certeza de que pertenço tanto aqui como à sombra de uma azinheira, numa mão um naco de queijo de Serpa, na outra um quarto de casqueiro, entre as pernas uma garrafa daquele do Parreira lá em Pias, consigo ser detestavelmente ocidental e pensar São para comer, aqui, já, arranjam-mas ainda vivinhas e como-as com arroz frito. Não. Destinam-se a ser soltas no leito do rio, em conformidade com a tradição budista que dita uma melhor sorte em troca da cedência de vida em liberdade a um ser vivo. É o que faço. Por 50 Baht (€1), tenho a hipótese de conceder a um destes bichos a oportunidade de prosseguir com os 200 e tal anos que ainda lhe restam. Levo duas ou três dentadas até chegar à margem. Peço o tal desejo e tento ignorar as duas sanguessugas que já estão em cada uma das minhas mãos, erguendo-se em busca do melhor lugar para se colar que nem lapas, passo a comparação, destinada apenas a melhor descrever uma imagem tão alien para a maioria. No preciso momento em que solto a carapaça, duas crianças aparecem no cais e dirigem-se ao barco que ali está. Levantam as tábuas do fundo, uma a uma, ignorando-me, certos de que eu não sei que raio estarão a tramar. Sei. E vejo, com um sorriso de quem percebe que as coisas são assim mesmo, que retiram da água a mesmíssima tartaruga que eu deixei na torrente, minutos antes. Solto uma gargalhada. Eles não, porque percebem que eu percebi. Mas mais que isto, percebi que gosto de aqui andar. Porque não há fealdade possível onde a beleza cresce como erva daninha. Este mundo é feito de muitos outros, mais pequenos. E só pararei quando encontrar o maior, em torno do qual orbitamos. Estou cada vez mais perto. Porque estar longe é que dói...

E oiço lá longe coisas familiares que me tiram este agridoce de boca...