quinta-feira, março 25, 2010

Seu Nuca...


... é um dos personagens mais conhecidos da Praia do Forte. Não pelo que faz hoje. Que é, o mais das vezes, estar sentado em frente ao Bar D Repente Israel, onde sempre pinta chorinho bom, com seu Cajueiro no pandeiro, Ulisses no tambor, Zeo no violão, o irrepreensível Edivaldo no bandolim, o imprescíndível Sousa no trombone de varas e o inconfundível Motor, que sempre dá um jeito de entrar na roda pra botar um pé de dança. Mais por ter sido, há muitos anos, experiente pescador e, pois, tartarugueiro. Nesse tempo sabia que, entre Novembro e Janeiro, principalmente em noites de lua cheia, as tartarugas marinhas subiam a praia para uma das várias desovas. O destino das mesmas era, claro, o prato. Os ovos também. Esses dias acabaram. Foi, aliás, o primeiro tartarugueiro a ser contratado pelo Projecto TAMAR, que usa, há três décadas, a experiência destes homens com fins conservacionistas. O tartarugueiro localiza o ninho e, na manhã seguinte, sai com os biólogos para a contagem e colocação da rede que protejerá os ovos dos predadores. No final, é colocada uma estaca sinalizando o ninho. No vasto areal a norte da Praia do Forte, a visão de centenas de estacas brancas poderia ser contraproducente. Mas é apenas um bom sinal.

Betânia é amiga de casa. Colega de escola da minha irmã, foi sempre a sua amiguinha mais próxima — das únicas, porque lembro a Rita dIAZ chiquitita como sendo um pequeno bicho-do-mato de difícil convivência — e, como tal, sempre me habituei à sua presença como uma extensão da mana-mais-nova. Mas, como este mundo é um T0, nada como ir encontrá-la a cerca de 80km a norte de Salvador, na base da Praia do Forte do Projecto TAMAR. Tardes de praia aqui, açaís ali, abraços e pezinhos de dança na Casa da Nati, caipirinhas de tudo e mais alguma coisa por todo o lado, são 5a.m. do dia 21 de Março de 2010 e estamos a carregar o jipe com que trabalha de baldes, redes e pás para, pouco depois, encontrarmos seu Antônio, o tartarugueiro que nos levará onde uma tartaruga de pente (Eretmochelys imbricata) desovou durante a noite. Há um rasto do mar até quase onde a vegetação tem início. Por esta altura, já não consigo esconder o encantamento de petiz que sempre foi considerado maluco por preferir os documentários do Attenborough a'Os Amigos de Gaspar. Sair dali e fazer dois ninhos, ou seja, passar pelo lugar de duas desovas sobre as quais já passaram 50 dias, o tempo de eclosão. E, à medida que se escava cada um, surge a primeira, depois outra, depois mais duas. Quatro tartarugas de entre 160 ovos. Quase todos estão gorados, Outros eclodiram mas as crias não chegaram à superfície. Daí esta ajuda. Interferir no processo que, a decorrer naturalmente, não garantiria a taxa de sucesso de que os escassos números precisam. O odor não condiz com a beleza do espectáculo. Quatro pequenas imbricatas a dirigirem-se, com todas as suas forças, ao mar. Pego numa porque sei que nunca mais o poderei sentir. Este pequeno sopro de vida a carregar todo um futuro na carapaça. No seu trajecto pela areia, é permitido protegê-las das rapinas que já descrevem círculos no ar. Mas assim que entram na água, já tudo delas depende. O resto dos ovos são deixados numa vala para lá dos coqueiros, onde os urubús já aguardam, habituados como num zoo. E já vamos longe quando eu, olhando para trás, vejo o gavião a quem a paciência recompensou. Mergulha sobre o mar e leva consigo a efémera.

Este ano, o TAMAR celebra O Regresso. Porque faz 30 anos. Porque, simbolicamente, a primeira tartaruga que salvaram voltará agora. À mesma praia onde nasceu. A margem de erro é de 1km. A minha é demasiada, agora. Tenho um Atlântico todo a separar-me de uma recordação indelével. Uma tartaruga marinha que cabia na palma da minha mão.

sábado, março 20, 2010

Sáudádji

No outro lado da linha — e do Atlântico —, atende a voz aguda que ansiava ouvir. Grita, imediatamente, Ó mããããããe... é o pai. Conta-me o que tem feito, que está com saudades, que o avô esta um pouco melhor. Eu faço o costume, exorcizando a falta que este meu bocadão me faz, Olha, filho... sabes que os macacos andam a roubar o pequeno-almoço ao pai? E ele Óóóóóhhh... Isso não pode ser. Continuo E sabes que há aqui sapos do tamanho do Kadafi (o cão dos meus pais)? E ele A sério, pai? Prossigo E sabes que no candeeiro da varanda do meu quarto dormem dois morcegos durante o dia? E ele Ahahahahahahahahah. Acabo o rol com E sabes que há aqui uns lagartos muito grandes, chamados iguanas? E ele Ó mãããããeeeee... temos que ir salvar o pai!

segunda-feira, março 15, 2010

oWeN

10 de Março de 2010, 22h26 - Sou convidado a sair depois de fotografar os primeiros quatro temas. Acedo. E não vejo, como não é costume, o resto do concerto. Saio para fumar. Não tenho lume. Peço-o a uma morena que, num inglês com Ze German Accent, pergunta se alguém me disse para sair. Digo que sim e segue-se o praguejar, primeiro em inglês, depois na língua-mãe da qual só identifico três ou quatro sheiser, ou lá como se escreve. Susanne Errndorf, de seu nome, é a manager do Owen Pallett e deu ao Maria Matos, assim como o faz em outra qualquer sala por esse mundo fora, indicações de uso livre de qualquer espécie de registo dos espectáculos, seja som, imagem ou ambos, flashes incluídos. E está realmente desagradada com a coisa. Digo-lhe que, por cá, estamos habituados a estas coisas mas que, por acaso, eu até gostava de ter visto o concerto até ao fim e, quase uma hora de conversa volvida, acabei por relatar aquele tempo em que o Mariachito só comia se ouvisse o He Poos Clouds. Ela diz-me que, no dia seguinte, posso levar o miúdo. Eu digo-lhe que ele só tem 3 anos e meio. Ela insiste. Pergunto-lhe se posso tirar fotos ao homem em privado. Ela diz que tudo depende. Às vezes basta uma borbulha na cara para não se deixar ver, sequer.

11 de Março de 2010, 22h45 - Entro no Maria Matos com o Bruno "Trafarias", depois da troca de emails durante o dia com a Susanne por via dos quais se chegou à conclusão de que seria melhor levar outra pessoa que não o fedelho. Volto a falar da sessão de fotos pós-gig. Ela diz que logo se vê. Entramos. E saímos naquele estado inebriado em que deixa a boa música, o chão que se pisa é mais suave, tudo está envolto numa espécie de névoa que deixa as formas difusas, distantes de qualquer percepção mais imediata, como quando, nos trópicos, a lente fica embaciada e o auto-focus demora. O virtuoso acaba de dar os autógrafos e ajuda a ingestão compulsiva de um queijo da serra que está sobre o balcão com um duriense Quinta de la Rosa bebido directamente da garrafa. Da Susanne que, imagino, intercederia por mim, nada. Decido fazer-lhe o pedido pessoalmente. Ele as mãos às calças e diz que sim, vamos para o camarim num minuto. No caminho dá-me indicações E aqui, com estas luzes por trás, não? Era capaz de resultar. Em 3 ou 4 minutos a coisa está feita. Digo-lhe que não deve acompanhar queijo da serra ou outro qualquer que tenha um mínimo de qualidade com Panrico sem côdea e desenho-lhe um pão alentejano para que o possa pedir na manhã seguinte numa qualquer mercearia. Ele gosta do desenho e pede-me para o assinar. Diz que não, não tira fotos com o violino porque fica sempre a parecer aqueles nerds solistas de Handel ou Beethoven em salas tipo Gulbenkian. Eu digo que, um dia, vou fotografá-lo de forma a mostrar-lhe o contrário.

O texto sobre o concerto do Owen Pallett (aka Final Fantasy) sai na Blue Design n.º 13, uma das fotos resultantes do acima está aqui, as restantes serão publicadas para uso LIVRE depois da revista sair em banca.

quinta-feira, março 11, 2010

A Derradeira Fantasia

Um post dos pequenos só para reatar a chama, reduzir a noite de ontem a dois momentos.