quinta-feira, novembro 22, 2012

uMa tRaveSSiA dO aTLÂnTicO [diA 8]


Quinta-feira, 22 de Novembro de 2012, Latitude 3º 59.21’ S, Longitude 32º 33’12 O, direcção 201º a 17 nós, a 832 milhas de Salvador da Bahia.

O primeiro indício de terra foi dado ontem à noite, por volta das três da manhã, antes do relógio ter de recuar uma hora pela terceira vez desde o início da travessia. Algumas aves apareciam, iluminadas pelos holofotes do navio, contra as constelações do hemisfério sul, mal transposta que estava a linha do Equador. Ao fim de seis dias de Atlântico a contabilidade no caderno de notas reduz (potencial) vivalma a 4 baleias francas | 20 golfinhos | 3 veleiros solitários | 1 petroleiro | dois bandos de garças brancas | rochedos de São Paulo e São Pedro | Ilha do Sal e do Fogo... se é preciso estar aqui para que se perceba o efeito que tanto mar tem sobre as frágeis mentes humanas, explico que também a mim estes pequenos fantasminhas, aparições de escassos segundos, me colaram um sorriso na cara. Hoje, às 5 a.m., reconheci-os. Gansos patola. Centenas. Como gaivotas à volta dos pesqueiros, descrevem círculos em torno do navio aproveitando para picar o voo e mergulhar nas águas que este sulca. Imprimem neste azul inigualável uns rastos brancos e desaparecem nas profundezas. Esses daí são os atobá, ó, explica-me uma senhora que já esteve 12 vezes ali, em Fernando de Noronha. Tanto BBC Vida Selvagem para nada, penso. E esses aí em cima são fragatas. Os atobá pesca e esses rouba eles. Nem os tinha visto. Um bando daquilo que um ignorante como eu definiria como andorinhas de grandes dimensões encima o navio, a uma velocidade tão sincronizada que parecem um fresco pintado por aqueles ilustradores de enciclopédias. Ouve-se o tão característico coro das gentes na amurada Oooooohhhhhhh que costuma indicar... golfinhos. Rotadores, chamam-lhes. Uns palhaços, arrisco. Saltam, descrevem espirais no ar, reagem aos aplausos que parecem querer puxar desta gente que se inclina perigosamente sobre o mar, no 14.º andar, aos sorrisos dos putos e dos moleques e dos chicos e dos enfants e dos kids, ficam “em pé” como se os “tratadores” do Zoo de Sete Rios, num acesso de consciência, tivessem libertado a bicharada que, entretanto, não sabe viver de outra maneira. Pouco depois, uma tartaruga. Há quem diga de tudo isto Ui isso daí é nada. Quando chegar na Bahia nem vai ter como tirar foto a tanta baleia jubarte. É a altura delas trepar. Não é um termo bonito. Mas é entretenimento. Este e o outro, Morro do Pico ali, Praia da Conceição abaixo, depois o Morro Dois Irmãos seguido da Praia da Cacimba do Padre. Aquela ali, ó, é a segunda praia mais bonita de todo o Brasil, aponta-me Carlos. Qual é a primeira, pergunto. Sei não, sorri.

Eu também!

quinta-feira, agosto 02, 2012

aMOR fATi

No outro dia

ouvi-te cantar

Lisboa refulgia
em tardes de Prata
de Ouro
de Lata

e o nó na garganta

desata

a chorar


quarta-feira, agosto 01, 2012

e sE dE, pOiS!

Depois, que nem rei da cocada
dancei
tracei
linhas de nada
no ar em volta [DE TODOS]
e ri a rodos [DE MIM]
bem sei...
Então
em jeito
rodei a preceito
no chão
como vi alguém fazer | num programa | de televisão | que tinha um macaco | e um certo João | que depois fez a voz do outro verde que tinha um só olho no Toy Story és a minha

««««««««««««««« mOrNiNg GLorY »»»»»»»»»»»»»»»

à hora do café
Saricoté
Bacalhau
Azeite
e Alho
é bom mas faz

[[[[[[[[[[[[[[[[ aRRotAr ]]]]]]]]]]]]]]]]

e eu quero NADAr
em ti
Amor COLOSSO
sem que te ponhas a adivinhar
o que comi
ao almoço!



quinta-feira, julho 12, 2012

SidE bE...

Quando colheste o rododendro e o pousaste sobre a orelha eu tinha 16 anos. Dizia-te poemas do Cohen. Decorados em casa, junto à lareira, enquanto o Conde de Contárrr cantava a música das bananas na ITT Ideal Color. Mas enganava-me e ríamos porque ficava a olhar para a madeixa de cabelo que assentava o rododendro branco na tua orelha. Como pai que puxa, numa noite fria, o cobertor até aos ombros de um filho. Que teima, à força de um sonho bom, em empurrar para baixo. Com os pés pequeninos. Nunca pensei que ainda hoje lá estivesse. O rododendro branco que apanhaste na avenida. Tudo o resto. E de cada vez que te puxo, ainda hoje, a madeixa de cabelo para trás da orelha, faço-o com mil cuidados. Quinhentos beijos. Cem abraços apertados. Para não estragar o rododendro branco que apanhaste na avenida e sorriste. Não vá ele murchar. Depois, decidido, chamei-te. À janela. Assomaste. Onde tens andado, mulher, perguntei. Por cima de ti um bando de estorninhos. Na orelha, assentado por uma madeixa, um rododendro branco que apanhaste na avenida e sorriste e mexeste as ancas como uma havaiana e rimos. Rimos muito. Ainda hoje. Nesse hoje, há quem empurre o cobertor para baixo à força de um sonho bom. Não faz mal. Eu puxo-o até aos ombros, em noites frias. Com os mesmos cuidados com que a madeixa te assenta o rododendro branco que apanhaste na avenida e sorriste e mexeste as ancas como uma havaiana e rimos e beijámo-nos com língua e ganas no meio do alcatrão esburacado até que o autocarro para o Porto Brandão buzinou. Ainda hoje.

segunda-feira, junho 18, 2012

sTAr LinG

A Mulher Que Tinha Um Bando de Estorninhos Sobre a Cabeça
Não saía à rua. Com vergonha. Via TV. E sonhava com cheiros de chocos grelhados. Num fogareiro da Rua do Ferragial. Que alguém vigiava do postigo. Descascando uma laranja em espiral.
A Mulher Que Tinha Um Bando de Estorninhos Sobre a Cabeça
Não conhecia quase ninguém. Longe ia o tempo em que trocara carícias. E ganas. De agarrar com força. E perdê-las. Às forças. E ganhá-las. Às borboletas. Na barriga. E deixar a Noção do Tempo num lugar muito longe. Onde nunca estivera. Roma. Barcelona. Sabe lá.
A Mulher Que Tinha Um Bando de Estorninhos Sobre a Cabeça
Cruzara um dia a Praça de Dom Luís I. De noite. Ouvira-os na costumeira guerra por um poleiro. Nas palmeiras. Nas olaias. Nas acácias. Nos rododendros. Trocaram-nos por ela. Até hoje. Até amanhã.
A Mulher Que Tinha Um Bando de Estorninhos Sobre a Cabeça
Tinha-os sempre aos voos. Ou só um. Daqueles à estorninho. E achava tudo muito bonito. De como eram formas. Vivas. Um bando-cardume. Um bando-enxame.
A Mulher Que Tinha Um Bando de Estorninhos Sobre a Cabeça
Ouviu, um dia, chamar por si. Foi à janela. Que não abria desde que cruzara um dia, de noite, a Praça de Dom Luís I. Onde tens andado, mulher, perguntava, lá em baixo, o Necas da Retrosaria.
A Mulher Que Tinha Um Bando de Estorninhos Sobre a Cabeça
Lembrou-se que encomendara um conjunto de botões para o seu vestido de chita. Que era, na altura, novo. Bafiento, agora. Mandou-o subir. E estranhou que ele não estranhasse a estridente nuvem. Em perpétua mutação. Que a encimava.
A Mulher Que Tinha Um Bando de Estorninhos Sobre a Cabeça
Lembra hoje esse dia em que saiu à rua. De mão dada. Até à Ribeira. De como ele lhe dissera, ali para a Rua dos Remolares, A passarada conirrostra não me incomoda.
A Mulher Que Tinha Um Bando de Estorninhos Sobre a Cabeça
Pressente-o agora. A chegar por trás. Enlaça-lhe a cintura. Ele sente o tecido. De chita. Com botões novos. Ela frita oito jaquinzinhos. E ouve-o sussurrar Fazem de ti uma Roma ou uma Barcelona qualquer. Gosto do teu céu.
Debaixo de uma nuvem canora.


terça-feira, maio 08, 2012

PoPuLar pOst Modern MorteM

Cabelo preto. Preto. Liso.
Caía sobre os ombros estreitos. Dois palmos dos seus. Com todo o peso dos olhos cansados que ele, bêbado de desejo e de vinho que não soubera escolher, fixava nas pontas dos dedos dela, finos. Finos. Curtos. Perfeitos. Que ela passava por dentro do
Cabelo preto. Preto. Liso.
E fazia aparecer como pequenas promessas de futuros menos cinzentos, disponíveis em várias cores e entregues ao domicílio sem custos adicionais*.
a)      O indicador, carmim, urgente paraíso da carne.
b)      O médio, verde, plácido prado de familiaridades e gostos em comum.
c)       O anelar, anil, gélido mar de anos e anos de contemplação mútua, mas também não se via assim muito bem, a ponta do dedo surgindo por entre o
Cabelo preto. Preto. Liso.
Ela deslizou a língua entre os lábios grossos. Grossos. Rubros. Antes de sussurrar numa voz doce. Doce. Aspartamo. Há mousse para a sobremesa. Queres? Ele baixou, pela primeira vez, os olhos. Fixou algo que não viu. Que nunca recordará. Pensou em tudo o que permitiria responder Em nada! caso a fatídica pergunta surgisse. E veio a habitual bruma dos sentidos. Que o cobria. Gelando até aos ossos. Quando não a via. Ou temia perdê-la. A dormência dermóide. Que era não se ter em si de não se ter nela. Todo. Assim. Fundidos. Fechados. Lacrados. E enviados para uma Vivenda O Nosso Sonho qualquer. Com andorinhas do Bordallo. Fitou-a outra vez. Para que todo aquele peso lhe saísse dos ombros. Não os dela, estreitos. Dois palmos dos seus. Tudo voltou a fazer sentido. Mesmo quando disse Não. Prefiro que te descalces. Ela, que sabia muito bem o que vinha a seguir, decidiu não adiar. E adiante foi, inclinando-se sobre a mesa. O
Cabelo preto. Preto. Liso.
Caiu sobre os restos de esparguete. E pimento. E azeitonas. No prato. Ele sentiu-lhe o hálito. Quente. E recordou. As Carícias. As Delícias. As Malícias. E a vez em que tiveram de parar porque na rua alguém atropelara um cão. E de como ela gania. E de como ele grunhia. No fim. Por fim, fechou os olhos. Ela tão perto. Acerca. A cerca. Que ela erguera. Um dia. Podia jurar que conseguia ouvir-lhe as pestanas a pousar uma sobre a outra. Flap | Flap | Flap | Flap
Espero que as claras não tenham caído. Estou menstruada, disse-lhe ao ouvido.
*Esta promoção está sujeita à disponibilidade e não pode ser acumulada com outras.

terça-feira, março 13, 2012

OnE fiNe sAtuRdaY (1)

Era uma vez
E como não podiam ser duas
ele fez
ele foi
deixar uma vela na igreja
pediu muitas
muitas
vezes infinito raiz quadrada ao cubo equilátero

ela pôs-se de 4
disse Meu boi
Diz-me se é assim que queres que esteja

ele comeu-a como quem beija


segunda-feira, novembro 07, 2011

bUs StOp

Uma paragem de autocarro. Que ficava entre duas araucárias. Que ficavam entre uma fila de ciprestes de muitos, muitos quilómetros. Ao longo de uma estrada que rasgava muitos mais. De nada. Ou quase. A certas horas do dia, sempre as primeiras ou as derradeiras, as árvores projectavam as suas sombras cónicas até ao limite da colina além ao fundo. Eurípedes não se importava de esperar tanto tempo pela carreira. Era uma das poucas coisas que não se importava de fazer. Mas tinha de ser aqui. Nesta espécie de paralelipípedo. De chapa ondulada. Pintada de verde. Sem um dos lados. Com uma tábua de madeira de topo a topo. Gostava de ouvir o canto dos pássaros e tentar adivinhar espécies. Com uma margem de erro que ele próprio traçava antes de dar início oficial ao desafio. Que era quase sempre de um em dez. Tão esparsos eram os carros que por aqui passavam que, conforme o vento, era até possível ouvir, de hora em hora, o sino da aldeia mais próxima. Que estava muito longe. E era a sua. Tudo isto o envolvia num tão morno manto de afecto que não poucas vezes dava o exemplo de como o mar, visão a que teve acesso apenas uma vez na vida, numa excursão da escola, não lhe inspirou especial encanto. Antes achou curioso como a areia da praia, que naquele longíquo dia gelava os pés descalços, estava mais quente por baixo. Cremilde, a sua namorada na altura e com quem esteve para casar até à véspera da boda, também achou o fenómeno interessante. Aos pés de Eurípedes está Fiel, o cão. Que o homem apresenta às pessoas como sendo Cão, o fiel. Está velho. Dormita e só abre os olhos quando o dono deixa cair uma beata para o chão. Faz pouco mais. Para além disso e de seguir, diariamente, o dono até este lugar. O autocarro passa. O homem, que o ouviu a aproximar-se, não se moveu. Depois, como que falando para o cão, disse É o que sai de Beja às 11h20. São horas de nos pormos a andar. E o animal, como que percebendo cada uma das palavras, ergueu-se tremulamente nas patas e combateu o reumático com um alongamento dos quartos dianteiros. Nos montes circundantes, ninguém sabe porque tem Eurípedes este ritual. Uns dizem que tudo se deve a Cremilde ter partido, na véspera do casório, na carreira da Mina de São Domingos para o Campo das Cebolas. Nunca mais deu sinais de vida. Os mais novos dizem só que o homem é maluco, inundando-o, jocosos, de copitos de vinho até ele tropeçar na língua. Nós só sabemos que um homem com um cão numa paragem entre duas araucárias e uma fiada de ciprestes é uma imagem bonita. E, para já, é o que interessa. 



sexta-feira, novembro 04, 2011

hELp tHe aGEd, diria Jarvis...

Rodovalha tentara, de toda a maneira, feitio e mais qualquer coisinha, livrar-se daquilo. Dezenas, centenas, depois milhares e finalmente milhões, garantia, sem temer exageros, a uma parcimoniosa audiência de idosos bafientos, esparsamente sentados pelas doze (12) mesas de fórmica do café/leitaria/snack-bar KaTeKero. Todos eles de boca aberta. Uns por admiração ou fascínio. Outros porque é assim que os velhos ficam quando se distraem. Maxilar inferior estendido ao infinito. Cachalótico prognatismo. Dois dentes por sujeito. Em média. Júlio, que cheirava às laranjas que descascava, todos os dias, ao primeiro sinal da aurora, foi o único que assumiu a sua ignorância. Puxando os óculos para a ponta do nariz, onde tinha uma pequena selva de pêlos negros e hirsutos, disse Mas que raio vem a ser um gorgulho? Rodovalha quedou-se, assim, de braços erguidos do gesto que usara para transmitir a noção, rodando apenas a cabeça em direcção ao extraterrestre que não sabia o que era, provavelmente, o insecto mais comum do planeta, logo a seguir aos militares. Não olhe assim para mim, minha senhora. É só uma pergunta. Não responda se não quiser, que eu oiço a história à mesma. É o que faço com o meu médico da Caixa, disse o engelhado humano. Risada. à excepção dos moucos. Rodovalha pensou Sacana do velho. Só para tirar esse cheiro a cânfora precisavas de três banhos de creolina. E essa caspa nos ombros dava para polvilhar uma fornada de pastéis de Tentúgal, mas disse apenas Meu caro amigo... o gorgulho é um bicho que vai às leguminosas secas, ao arroz, às sêmolas. O antigo acenou negativamente. E a obsoleta entre os dois mexia deseperadamente no aparelho auditivo franzindo, mais ainda, as feições. Tenho a casa cheia daquilo, gente. Maria Antónia, a alcoviteira, que cheirava a naftalina, raspou mais uma vez o interior do pastel de nata com a colher do carioca de limão, lambeu-a, deu uma ruidosa trinca na massa folhada e declarou, cuspindo grandes bocados em todas as direcções Se fossem baratas era pior. Rodovalha achou que não. Porque ninguém sequer imaginava o que era abrir a porta da despensa e ouvir a sinfonia de bocas a roer. Uma espécie de bulício sem fragor. Um permanente burburinho. Irritante. Foi o que ouvira ainda antes de dar conta da infestação. E pensou estar louca. Hipótese que nunca antes havia colocado. Ao contrário de quase toda a gente. Clotilde, que cheirava a gatos e tinha sido, nos longínquos anos quarenta, o mulherão de Lisboa, frequentadora de casas de fado, cabarets e bares do Cais do Sodré, solícita prestadora de serviços mais íntimos e vendedora de limões na Rocha Conde d'Óbidos, propôs Eu tenho lá um pó que me deu conta das baratas, traças e assim. Rodovalha pensou Eu envenenava-te era a ti, minha porca, que és a vergonha do bairro, mas disse apenas Não é preciso, Dona Clotilde, muito obrigada. Uma cadeira arrastou, no extremo da sala, rugindo no chão de lajes moiras. Todos os olhos se dirigiram para ali. Os surdos também. Por causa da vibração no chão. Metes tudo no congelador, grão, feijão, arroz e massas. Depois demolhas que a bicheza flutua toda. E tu é que és a vergonha do bairro e não vais envenenar ninguém, disse Alda, que cheirava a perfume de drogaria e, dizia-se, lia pensamentos.







segunda-feira, outubro 31, 2011

TraVeL wRiTinG 4 duMMieS

Deodato sentou-se. Esculpindo um baixo-relevo de duas nádegas na fina areia da praia do Almoxarife. Em seu redor, um sem-fim de caravelas portuguesas. Que ficaram da última preia-mar. Dezenas de pontos púrpura como que a cromatizar o areal cinzentão. À esquerda a Ponta da Espalamaca. À direita, a Horta. Paragem obrigatória de mareantes mais aventureiros e menos românticos de todo o mundo. Tristemente igorado por tantos portugueses. Fascinados pelo exotismo. Ignorantes de assombro. Em frente, o Senhor Imenso. Majestoso Pico. O costumeiro anel de nuvens em torno do cume. Um Kilimanjaro mais marujo. Apagou o cigarro Além Mar. No resto da cerveja Especial que deixara, propositadamente, no fundo da garrafa. E voltou a admirar a velocidade a que a sombra escalava, pela encosta direita, vulcão acima. Daí até à noite cobrir a tudo e a todos à excepção do Piquinho, derradeira ponta rosa antes das trevas, pensou apenas em como este lugar, mágico e único, poderia ser o mais belo do mundo. Ergueu-se e mirou, mais uma vez, o Canal. Para reparar num vasto dorso que, lá longe, apareceu. Reconheceu a espécie pela expiração do espiráculo. Foram anos de artes beleeiras a ganhar manhas que não se perdem numa vintena de interdição. Era uma baleia-de-Bryde. Uma das que nunca se atrevera a arpoar. Mesmo nos seus tempos mais intrépidos. Ficara-se sempre pelos cachalotes. Que já davam trabalho sobejo. Perante tal visão, tão habitual como enlevada, Deodato pensou que, definitivamente, não haveria lugar mais maravilhoso. Acreditava mesmo que o Espírito Santo, ele próprio, pousara aqui a imensa mão. Num dia mais inspirado. Mas foi já a subir as escadas de lava tosca, ao colocar a mui católica e pouco cristã hipótese de não haver paraíso sem senão, que a terra tremeu.