segunda-feira, novembro 15, 2010

What Happened?

O que aconteceu às waffers Elba, as com recheio de morango, limão, ananás mas, principalmente, e temo que todos terão de concordar comigo nisto, as de chocolate? O que aconteceu à Maluca da Mouraria, a que se lavava por baixo na fonte do mercado, por entre a multidão a comprar alhos roxos ou pêros bravo de esmolfe e depois seguia com a sua vida, que era, basicamente, ameaçar pessoas ao acaso com uma pedra da calçada na mão? O que aconteceu aos filmes de Domingo à tarde com doces clichés que depois guardávamos para poder esfregar na cara da namorada que dizia É melhor darmos um tempo, como We can't stop the one we love from going. If, one day, it comes back, it's broken? O que aconteceu às Sloggy de algodão a cheirar a Omo? O que aconteceu à Ana Zanati? O que aconteceu ao dizer poesia aos Sábados à tarde, com um copo de vinho em frente, para uma pequena audiência realmente interessada? O que aconteceu à confiança no que se escreve, saber que todo o sentimento impresso é o suficiente e torna tudo à prova de críticas destrutivas? O que aconteceu às castanhas atiradas para a lareira num fim de tarde em que não apetece sair? O que aconteceu às tardes de feriado abraçados no sofá sem a mínima vontade de ir ver o amigos? O que aconteceu às máquinas de gelados, das de fazer um caracol sobre o cone, à porta dos cafés da Costa de Caparica? O que aconteceu às enguias do Seixal? O que aconteceu aos corvos em gaiolas à porta das tascas lisboetas, todos chamados Vicente? O que aconteceu aos The Pogues? O que aconteceu ao cheiro dos cadernos novos? O que aconteceu às maçãs que sabiam, realmente, a maçã? O que aconteceu ao acreditar que, um dia, as coisas poderão mesmo resolver-se? O que aconteceu, dIAZ? O que TE aconteceu?



terça-feira, novembro 02, 2010

Estória de EMBALhAR...

Julgo que QUASE todos os pais passam pelo suplício que é a "fase" em que as crianças adquirem o início daquilo que será, futuramente, o denominado Humor Jabardolas. Contando que este não refina, apenas apura o nível da obscenidade, optei por tomar as devidas medidas enquanto a coisa não passa do "xixi", "cocó" e "peido", ainda que, de forma obviamente incómoda, estes vocábulos sejam proferidos, na maioria das vezes, à mesa. Sabendo que, na impossibilidade de vencê-LO, mais valeria juntar-se a ELE, o dIAZ põe agora o Mariachito a nanar com um estória de encantar inventada por ele. A coisa teve tanto sucesso, texto e ilustrações, que o dIAZ decidiu partilhar convosco, meus TRÊS (3) leitores assíduos.

A Improvável Vida da Remela Joana

Pág. 1 - Gabriel acordava, todos os dias (menos ao Sábado), com muito sono. Por muito que, na noite anterior se lhe dissesse Tens que te ir deitar senão acordas com muito sono, ele pedia sempre Mais um bocadinho, inventando mil e uma desculpas para continuar a correr pela casa com as Meias de Andar Descalço.

Pág. 2 - De manhã, os lençóis da cama pareciam ter cola. Ou seria de estarem quentinhos? Gabriel virava-se para o lado esquerdo quando o pai dizia Acorda, filho e rebolava para o lado direito quando a mãe dizia Pssssst. Depois, esfregava um pouco os olhos e, ainda antes de abri-los, tirava as remelas, enrolando-as entre os dedos. Depois, deitava-as fora.

Pág. 3 - Naquela manhã, porém, Gabriel sentiu que a remela do seu olho esquerdo tinha algo de especial. Em primeiro lugar, porque era maior e mais dura que as do costume. Depois, porque o pai disse Deixa-me ver e ele só pedia isso em relação aos macacos do nariz, aos quais chamava burriés, coisa que o Gabriel achava estranha por ser o mesmo nome que tinham aqueles caracóis do mar que costumavam apanhar nas poças das rochas de Vila Nova de Milfontes e Praia do Malhão.

Pág. 4 - Gabriel e o pai olharam atentamente para a remela e acharam que esta era, na verdade, especial. Era uma bela remela. Parecia mesmo olhar para eles e sorrir, como que pedindo Por favor, não se desfaçam de mim. Guardem-me. Fiquem comigo. Eu adoro-vos. Gabriel e o pai olharam um para o outro, sorriram e disseram, quase ao mesmo tempo Vamos chamar-te Joana. A remela sorriu e aninhou-se entre os dedos do Gabriel, para dormir, porque as remelas são como as corujas, dormem de dia e à noite passeiam-se pelas pálpebras das pessoas.

Pág. 5 - Às escondidas da mãe, que normalmente tinha nojo destas coisas, guardaram a Remela Joana na caixa de um anel, sobre um pouco de algodão, para que se sentisse quentinha e confortável. Deitaram-na com muito cuidado para não a acordar e cada um deu-lhe um beijinho, dos doces, como os do Gabriel. Depois, o pai foi trabalhar e o Gabriel foi para a escolinha, que era o trabalho dele.

Pág. 6 - Ao abrir a porta, o pai despediu-se Bom karaté, filho. Chego a horas de jogarmos um jogo e o Gabriel respondeu Ok, pai. Trabalha bem. Fecha a porta devagar para não acordares a Joana. Parecia, pois, um dia normal. Mas ambos sabiam que tinham, agora, uma remela muito especial para cuidar com carinho.

Pág. 7 - O dia passou devagar, porque normalmente os dias em que apetece chegar a casa depressa passam mais devagar. Gabriel só pensava na Joana e na hora em que iria revê-la, dar-lhe abraços e fazer-lhe cócegas. Ao vê-lo a olhar o vazio, a educadora perguntou-lhe Em que estás a pensar? ao que ele respondeu Na minha remela que deixei em casa. Ela abriu os olhos, muito espantada, e exclamou Blééérgh.

Pág. 8 - À tarde, e como de costume, o avô dIAZ e a avó Natália foram buscar o netinho querido. Gabriel apressou-se a contar-lhes a boa nova e gritou, já no carro Ó avó e avô, eu tenho uma remela que se chama Joana e está guardada numa caixinha para eu brincar com ela quando chegar a casa. Os avós olharam para ele e disseram, os dois ao mesmo tempo Bléééérgh.

Pág. 9 - Quando a mãe chegou a casa dos avós, o Gabriel não lhe disse nada, sabendo que devia guardar segredo. Mas os avós não conseguiram fazer o mesmo e disseram Ó Marta, sabias que o Gabriel tem uma remela guardada em casa? A mãe olhou para ele, abriu muito os olhos e exclamou Bleeeeeergh.

Pág. 10 - Quando chegaram a casa, o Gabriel correu para a caixinha, abriu-a e Joana disse, enfurecida, Estava a ver que nunca mais. Estou à tua espera há uma eternidade, com a sua voz muito aguda. Gabriel disse-lhe Desculpa, amiguinha, mas eu tenho que ir para a escola e não te posso levar porque as pessoas têm muito nojo de ti. Joana olhou muito séria para o seu dono e começou a chorar. Sinto-me tão sozinha, soluçou. Gabriel fez-lhe uma festa na cabeça, mesmo por cima do seu cabelo amarelo esverdeado, e tentou confortá-la Estou certo de que o meu pai vai arranjar uma solução para isso.

Pág. 11 - Gabriel ouviu a porta da rua fechar e correu para o pai, dando-lhe um enorme e forte abraço, à homem, com palmadinhas nas costas e tudo. Pai, a Joana está muito triste porque se sente muito sozinha, disse. Foram os dois falar com ela. Assim que o pai abriu a caixinha, ouviu a triste remela a chorar, um choro muito esganiçado. Então, pequena, porque choras?, perguntou.

Pág. 12 - A Joana respondeu, muito zangada Estou muito sozinha, é horrível. O meu dono Gabriel disse que tu tinhas uma solução para isto. O pai sorriu, olhou para o filho e viu que também ele estava a ficar triste. Foi então que o pai levantou a camisola, escarafunchou o umbigo e retirou de lá uma bolinha de cotão. Tinha uns grandes olhos e um sorriso enorme. Depositou-a ao lado da Joana e o cabeludo amigo apressou-se a apresentar-se Olá! O meu nome é João Cotão. E o teu?, Remela Joana, respondeu ela, enxugando as lágrimas. Foi amor ao primeiro nojo!

Pág. 13 - Ramela Joana e João Cotão casaram e foram muito felizes. Fizeram uma bonita casa dentro da caixinha. Até tinham uma televisão com o Disney Channel, o Canal Panda e o Toy Story 3. Às vezes, de manhã, o Gabriel depositava lá outra remela. E outra. E ainda outra. Mas nunca mais houve uma que fosse tão boa e grande e dura como a Joana. O pai seguia o exemplo e, às vezes, quando chegava a casa, punha na caixinha mais uma ou outra bolinha de cotão, que era sempre da cor da camisola que vestia. Em pouco tempo, a caixinha tornou-se uma casa feliz e alegre, cheia de bolinhas de cotão a brincar e remelas a cantar e a jogar às escondidas. João e Joana foram felizes para sempre e nunca mais ninguém lhes disse Bleeeeergh. Muitos anos depois, Gabriel descobriu porque é que as pessoas tinham tanto nojo de remelas e burriés. Porque, quando se é crescido, chamamos-lhes "excreção". E isso é, realmente, um nome muito feio. Joana é muito mais bonito. Martim é beto, diz o pai.