segunda-feira, maio 29, 2006

Porque sim...

... e porque há momentos na vida que ficam melhor com a Joanna Newsom...

"And Gabriel stands beneath forest and moon
See them rattle and boo,
and see them shake,
and see them loom
See him fashion a cap from a page of camus
And see him navigate deftly this side of the blue"

quinta-feira, maio 25, 2006

Insane In The Brain

Um homem tomba no passeio e queda-se, imóvel, entre a tampa de esgoto e a laje onde alguém, há muitos anos atrás, decidiu aproveitar o cimento fresco para imortalizar a sola dos Sanjo acabados de comprar. Tem os olhos abertos. Fixa-os na varanda do terceiro andar onde a D.ª Mizé estende agora os paninhos do seu salão de cabeleireiro. Não o vê, ao contrário deste transeunte que agora se agacha e pergunta, aparentemente solícito: "O que se passa"? "Temos mesmo de viver esta vida"? "Cada um a sua", "Eu queria uma melhor", "Mas há sempre piores", "Foi por isso que quiseste saber"?

terça-feira, maio 23, 2006

Tudo acaba por correr...

...Nunca o disse, nem à principal visada que se predesporia a carregá-lo, que não haveria de ter um filho sem ter um quintal. Mas pensei-o! Muito. Uma coisa pequena, humilde, uma diminuta mancha verde para onde olhar enquanto comia, onde os pardais colheriam as migalhas (miolinhos, queria eu dizer) da minha torrada, onde haveria uma mesa com um copo de Terras do Pó, os meus pés também, nas pernas um livro qualquer que saiba bem com o cantar deste melro que, em Maio, ainda tenta deixar descendência. A minha correria por ali, sujar-se-ia na relva e andaria a cavalo no Oscar Tobias, incansável rafeiro. Pouco mais importaria, então, nem a laranjeira que definhava com tanto melaço do moscardo, nem os coentros que espigavam porque o calor é muito e o sol português, a hortelã de que só me lembro quando já cheira a canja, as malaguetas que já deram muitos frascos para os amigos e poucos para mim, que cá em casa o Gabriel ainda não está em idade de ser iniciado às artes. Lá vai o limoerio dando para o gasto que é pouco, ainda que precise de levar umas porradas ou de um prego espetado no tronco, por via da muita casca e pouco sumo. Valham-me Zé e Natália... criaram-me com artes de campo e resgataram-me duma Cruz de Pau que dava indícios de sobredesenvolvimento e, logo, parquíssima qualidade de vida. Optaram por um casal de filhos que andaria solto desde o nascer do sol até à hora em que um assobio longínquo que não ouvíamos içava as orelhas dos canitos... Estava na hora.
Decidiu a minha ascendência que as modernices tipo infantário, por via da infeliz necessidade de ter que se trabalhar, não existirão. Gabriel percorrerá, ainda com meses, com a devida assiduidade, um olival onde o Zé Dias já escolheu o ramo para o baloiço. Mais crescido, percorrerá as veredas que eu pisei, fará a casa no mesmo pinheiro manso, à espera de ver aparecer a Carla Simone, subirá à mesma amoreira, caçará lagartos, levará a Vanda para o mesmo eucalipto tombado, pegará sem medo nas cobras-rateiras, guardará segredo sobre o ninho de poupa no buraco da oliveira, encontrará uma ninhada de ouriços-cacheiros e descobrirá que, em pequenos, os espinhos não passam de pêlos, saberá qual o melhor sítio para apanhar pirilampos, terá grilos em gaiolas, jogará à bola no centro de um turbilhão de besouros que voam com ruído de motor 1,5cc num fim de dia de Agosto. Perguntar-me-á mil coisas a que saberei responder. Porque já fiz tudo isso. Porque já tive quintal. Agora tem ele. E só muitos anos mais tarde perceberá que a sorte sorriu-lhe como a poucos. Ou talvez não...

quinta-feira, maio 18, 2006

S. Pedro de Sintra, Maio de 2006

Entrou no café com um turbilhão de gestos. Maneios e vocalizações que só a ele (e a mim, mas isso vale o que vale) não lembrariam os de um louco. Um semblante que mais seria o de um homem cansado que de velho, não obstante a cabeleira grisalha puxada, com rigores de "art-nouveau", para trás. Modos de camponês com obrigações de doutor. Um fato coçado, suspensórios, gravata de palmo, calças que um dia cobriram os tornozelos, antes do uso obrigar a novas baínhas. Gesticulava. Gesticulava muito. Disse algo indecifrável aos proprietários do estabelecimento que, a julgar pelas expressões de enfado e permissividade renitente, já o conheciam. Mais braços pelo ar, alguns perdigotos também, interjeições num timbre acima, depois o aceno de despedida e um "Feliz 13 de Maio", gritou por fim. Saíu com a mesma pressa, o passo apressado e a postura de quem vergou, a certa altura da vida, mas para sempre, ao insuportável peso de um carrego indesejado.
Já ao balcão, fiquei a saber que a suposta loucura tinha uma proveniência, mais que uma justificação. Foi, durante mais de 30 anos, porteiro e guarda no colégio católico mais prestigiado do país (ao que eu saiba, pelo menos), o Ramalhão. O Ramalhão exigiu-lhe os melhores serviços. Ele prestou-os com zelo e reverência, crendo como todo o bom católico apostólico romano que Deus fala ao rebanho pela boca dos Padres, Bispos, Papas e outros Judas Iscariotes que tais. Nunca descontou para a Segurança Social. O Ramalhão também não. Agora, miserável, conta com a boa-vontade de poucos e o desdém de quase todos. Do Ramalhão nunca mais ouviu falar. Mas todos sabem que o Ramalhão sabe da sua existência, ainda que seja só disso que deseja saber...
... how catholic is that?

segunda-feira, maio 15, 2006

Perdemo-nos...

Sim, para além do papel higiénico não rasgar pelo picotado (o que me irrita MESMO), existem outras coisas com que QUASE saio do sério! Nesse mundo de prazeres sensoriais que é o Planeta Palato, bem conhecido e mesmo íntimo dos portugueses há tantos séculos, são infindos os fenómenos que me causam, no mínimo, um leve eriço dos cabelos do antebraço.
Fomos, durante mesmo muito tempo, os donos da Melhor Comida, o paraíso desse já de si edénico Mundo da Cozinha Mediterrânica, com a possibilidade de ainda gozar com quem só come massa e ainda assim vê a sua gastronomia espalhada pelo mundo! Trouxemos batata da América do Sul para desfrute do mundo inteiro. Levámos de África a malagueta vermelha para gáudio dos indianos. Universalizámos o consumo de arroz. Aceitámos de bom grado a herança moura da península e nunca mais soubemos viver sem cenoura, laranja, limão, coentro, hortelã ou tomate! Por fim, esse advento do Século XIX, o bacalhau.
O que é bom não pode durar sempre! Mas tenho pena de ter que ser a minha geração a ver a forma como a seguinte conseguiu arrasar com o que é, paralelamente à língua e à Terra, um património de valor incalculável! E como tal, irritam-me certas coisas no panorama da restauração, porque em casa de cada um cada um estraga o que quiser!
1. Irritam-me as batatas fritas pré-fritas e congeladas. Há pouco mais de cinco anos, dava direito ao prato ir para trás! Lembro-me do meu pai recusar as batatas que acompanhavam as sardinhas porque lhes tinham tirado a pele (ou casca, pronto).
2. Irritam-me as condições de higiene soberbas e os inoxes a brilhar e a obrigatoriedade em vermos a cozinha. O cozinheiro precisa de privacidade. Tem que estar sozinho para estar concentrado. Tem que deixar cair o bife ao chão e lamber a colher com que prova a comida.
3. Irritam-me os Secretos de Porco Preto nos Restaurantes Alentejanos.
4. Irrita-me a Açorda de Marisco. Uma açorda na terra que a viu nascer são bocados de pão numa água aromatizada com alho, coentro e azeite. Aquilo que o lisboeta chama de Açorda será, no mínimo, migas de marisco! O pormenor do ovo cru mexido à nossa frente é, no mínimo, hilariante...
5. Irrita-me a picanha. Um bife da vazia é um bife da vazia, a diferença é que a picanha vem do Brasil e da Argentina e, por isso, já sofreu 4 ou mais congelações.
6. Não há coisa mais criminosa que ver um português comer salmão! Num país onde tudo é mar e tudo o que ali mexe se come, o salmão é uma ofensa!
7. Calamares... desculpem? Calamar é lula em espanhol. Cortadas às rodelas e passadas por ovo são lulas à romana! Metam os calamares no cú!
8. Massada de peixe. Muitas vezes, até é de cherne. Vão lá aos Açores dizer-lhes que metem massa a acompanhar cherne que eles já vos contam! Arroz ainda admitiria, agora cotovelinhos? Hé pá, vão gozar com o Tenório!
9. Caldeirada de safio, caldeirada de sardinha, caldeirada disto e daquilo. Caldeirada é caldeirada e por isso é que se chama caldeirada à caldeirada... porque é uma granda caldeirada! Leva todo o peixe possível e imaginário que tenha sido pescado nessa madrugada. Caldeirada de safio é, isso sim, safio com batata, tomate, cebola, pimento e azeite.

E por agora já chega! Quando o bacalhau light começar a ser comercializado, voltamos a falar!

segunda-feira, maio 08, 2006

I did it again, Pam!

Quando fores o que a destinada estiveres
Saber que ao nada mais seres
serás tudo o que quiseres

Faz-te à estrada
rebenta
explode
quem dormir que acorde
Ladra!
Não...
...morde!

Esperneia
grita
bufa
irrita
soca
corre
berra, diz
morre...

...feliz!

quinta-feira, maio 04, 2006

Factologia

FACTO - A pílula do dia seguinte é um contraceptivo abortivo. Deve ser tomada nas 72 horas seguintes a uma relação sexual mal ou mesmo não protegida. Cria um ambiente impróprio à fecundação no útero e adjacentes. Como tal, tem contraindicações. Mas não o terão quase todos os fármacos?

FACTO - A pílula do dia seguinte está à venda desde 2000. Porque há gente que é violada e outra que não está para "adiar o inadiável" (eu sei que o fogo do momento é algo difícil de lembrar por parte dos moralistas). Isto coincidiu com a acesa discussão da legalização do aborto.

FACTO - Seis anos depois, um grupo de auto-denominadas "Mulheres em Movimento" decidiu avançar com uma providência cautelar contra o laboratório que fabrica o vil comprimido. Chamam a si uma argumentação muito próxima da beatice observada durante a campanha para o referendo do aborto. "ah, e tal, isto agora é só mokar que nem umas malukas porque no dia seguinte é só ir à farmácia".

FACTO - A porta voz deste movimento chama-se Teresa Tété!!!