segunda-feira, dezembro 05, 2005

A Vala

Não vale a pena tentar explicar aos humanos o que era a Sobreda de Caparica quando os meus pais, corajosamente, se mudaram para ali. A estrada que ia de Vale de Figueira até ao Lazarim, passando pela fábrica que montava os ZX Spectrum, Sinclair 2048k e relógios Timex, cujos teclados roubávamos para instalar por dentro de caixas de cartão de Nestum, transformando-as assim em pequenas Galácticas, tinha, de um lado, um extenso olival (com dois castanheiros e uma amoreira) onde conviviam poupas, pegas rabudas, sardões e algumas centenas de ovelhas do Ti João, que acabou morto ao lado de um poço por ter um coração avesso a devaneios amorosos com a sobrinha. Do outro lado, por trás da casa da minha amiga Simone, que a vida haveria de relançar para a minha própria (o que me faz pensar como é justo este mundo), uma floresta de pinheiro manso dava-nos sombra de Verão e muitos trilhos de bicicleta, coelhos, ouriços cacheiros, melros e casas nas árvores. O trajecto para a escola fazia-se ao longo de uma vala de escoamento de chuvas onde, um dia, se cruzou connosco uma cobra-rateira. Ao invés do habitual comportamento arisco, ergueu-se e silvou. Chamei o Samuel que ia na estrada mais a mãe. Vieram os dois. Quando olhei para a minha frente, qual cobra? A mãezinha do Samuel, cabecilha da das Testemunhas de Geová lá da zona, olhou para mim e disse-me do alto da sua cabeça mui portuguezucha: "Posso ter lenço, mas a mim não me enfias o barrete". Devia ter uns dez aninhos, mas desde esse dia que não passo o mínimo cartuxo a quem se acha dono da razão. Para cúmulo, rio-me tão silenciosa como intensamente, não dando sequer direito de resposta! E é quando alguém sentir que esta medida lhe está a ser aplicada que pode ter a certeza que está a cometer um erro!

9 comentários:

zez disse...

Epá, não sabia que era ali que se montavam os fantásticos e inigualáveis Spectrum! Olha, o dia em que os meus pais entraram em casa com o Spectrum foi o mais feliz da minha infância... fui logo pedir um jogo ao vizinho e não há palavras para descrever o que senti quando o meu pai sintonizou a televisão e surgiu no ecrã o Barbarian!!!

zez disse...

Epá, não sabia que era ali que se montavam os fantásticos e inigualáveis Spectrum! Olha, o dia em que os meus pais entraram em casa com o Spectrum foi o mais feliz da minha infância... fui logo pedir um jogo ao vizinho e não há palavras para descrever o que senti quando o meu pai sintonizou a televisão e surgiu no ecrã o Barbarian!!!

Anónimo disse...

Upa, upa, belos tempos esses. Subir ao pinheiro manso só para ficar nas ramadas a comer pinhões acabadinhos de tirar da pinha, apanhar azedas a caminho da escola, colher fetos para oferecer à mãe, ficar na paragem até às dez da noite sem ter medo dos homens maus, fazer caçadas aos lagartos...quem dera aos putos de hoje terem só um cheirinho desta infância. Belos tempos Dias, belos tempos.

Anónimo disse...

...ainda de volta à Cereeira: lembras-te das incursões nocturnas à padaria do pai da Dora, ou da rua da bruxa da Sobreda...aquele pão quentinho, acabadinho de sair do forno, ainda a estalar... qd chegava a casa, para receber a manteiguinha, já o mafra estava desfalcado em metade.

El Mariachi disse...

Amiga... era veres o que era pedalar na BMX amarela com punhos e banco azuis, saquinho de pano com a palavra "pão" bordada, a esfalfar-me para chegar a casa com o pão a escaldar. Meter-lhe em cima manteiguinha Primor (que nesses tempo era amarela) aos nacos.

E nunca foste à vacaria buscar leite? Na Morgadinha? Hoje é uma Quinta de Casamentos, pá!

A Bruxa, man!!! A Bruxa!

Anónimo disse...

;) o que eu curtia gamar a BMX ao meu irmão, compradinha ali na cova da piedade, ele e o poeple da Avenida pedalavam até não poder mais, ele era Costa, ele era Lazarim e arredores. E eu ficava ali com aquela bicla horrenda, alaranjada - é para meninas diziam eles - pois com assento horrendo só podia ser para aquelas meninas que andavam no ballet e ginástica ritmica, eu fazia ginástica desportiva, tumbling no Ginásio Clube do Sul, got it!
O mano chegava e eu ali, de olhos colados cobiçava a BMX, azul, sim, também era azul, mas ele, como quem cuida do seu mais estimado veículo topo de gama, colocava com requinte o aloquete!

xostrinha disse...

BMX? Não me digam que só eu é que tive uma Vilar Catita, daquelas de três mudanças no quadro, com a roda de trás maior que a da frente. Para sacar cavalos e bater com a pinha no chão não havia melhor. Quanto a Timex, ia lá a pé com o meu avô, só para que o velho, com os seus preciosismos, pudesse comprar uma pilha. Depois voltávamos à Sobreda e apanhávamos barro com o qual cagávamos a alcatifa da sala. Quando iamos para a Trafaria para casa dele escalávamos a falésia para o mesmo efeito. Muchas Gracias Diaz!

El Mariachi disse...

Estás-te a referir à grande "chopper" das binas? Até dava para pôr fitinhas nas manetes e vinha de origem com um bruta reflector nas costas do banco, que até tinha encosto?

xostrinha disse...

É isso mesmo. Vou por uma foto que tenho dela no meu espaço.