O que interessa reter é que no tempo em que havia apenas dois canais de televisão e, ainda por cima, se pagava taxa por esse luxo (foi uma das coisas com que Cavaco acabou. O povo, claro, rejubilou com a medida. Cinco ou seis anos depois, Cavaco ordenou uma carga policial ao estilo das ditaduras sul-americanas sobre uma manifestação na Ponte e, uma semana depois, sobre outra nas Vidreiras da Marinha Grande. O povo rejubilou outra vez. Se não, pareceu-me, porque ele está lá outra vez), já havia quem fosse da opinião que a televisão era lixo!
Não aventarei que, eventualmente, continua a sê-lo. Mas se há 20 anos atrás era preciso filtrar o seu conteúdo (e não estou a falar daqueles acrílicos vermelhos e azuis que se punham em frente ao ecrã), hoje há que coá-lo! E, por entre essa finíssima farinha que passa pelo pano de linho, delícia de gourmands de conteúdos de interesse, há o Family Guy, muita coisa da 2: e algumas edições do 60 minutos. Foi neste último que, no outro dia, de insónia a corroer afloramentos nervosos, pus os olhos sobre um puto, de que não sei o nome, pelo que será, Dora Avante, apenas Puto. Que nasceu com um vasto tumor cerebral. Que, entretanto, foi retirado. Ficou a cegueira, um autismo profundo e irreversível, a descordenação quase total dos membros e a ausência de força. Mas eis que, quando fez dois anos, o pai ofereceu-lhe um orgão. E, para surpresa de todos, o Puto tornou-se um prodígio. Alvo de estudos científicos, também. Ninguém consegue explicar o fenómeno. Hoje, com 15 anos, é um pianista irrepreensível do ponto de vista executante. Ouve, por exemplo, pela primeira vez, uma peça de Rashmaninov com 20 minutos. Espera que esta termine, senta-se ao teclado e executa-a, na íntegra e sem qualquer falha. Uma precisão de relógio alpino. Mas sem paixão na expressão. Como um robot. Demasiado perfeito para ter sentimentos. Tem centenas de peças compostas. O piano é tudo na sua vida. Mas não consegue explicar o que sente quando toca. Não consegue dizer que, ali, falta um Fá. Tem de mostrá-lo tocando-o. Não sabe ler uma pauta. Não é sequer capaz de, pasme-se, apertar atacadores. A coordenação entre o cérebro e a destreza dos seus dedos só estão direccionados para um teclado.
Pensei nisto dias a fio.
Algo não está bem neste mundo!
Mas, depois, fez-se luz...
... Não conheço um só fã de Coldplay que não saiba apertar atacadores!

4 comentários:
eu não uso atacadores nem ponho açucar no café?
o que isso faz de mim?
;D
Não sejas assim Diaz. Diz lá que estar a repetir "wegue, wegue, wegue, wegue, wegue" enquanto abanas o pandeiro não é uma boa forma de libertar o estresse...
Caso ainda não tenhas reparado, continuas a pagar a taxa de TV, agora "Contribuição Audiovisual" com a factura da EDP e a TV por Cabo. Por isso amigo "wegue, wegue"
E já agora quem é que trás as prendas ao Mariachito, o gordo da Coca-cola ou o menino Jesus? Não me digas que cedes às modernidades!
Não percebi... Saber apertar atacadores é mau? Ou é mau ser fã dos Coldplay? Já sei! É mau acumular as duas coisas: ser fã dos Coldplay e saber apertar atacadores. Sempre desconfiei que havia algo de errado comigo.
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