terça-feira, junho 26, 2007

Recuerdos - TOMO XVIII

Imaginei sempre o meu avô, Chico Padeiro, alto, espadaúdo, olho verde e tez morena, um clássico "bom partido", caminhando por aquela estrada que separa Santa Luzia do Vale de Santiago, concelho de Odemira, um mar de amarelo, pintalgado a verde de oliveira e sobreiro, um pouco de ocre vivo quando a cortiça foi arrancada faz menos de um ano. A meio da jornada, quase dez quilómetros em distância moderna, "é já ali" em unidade de medida baixo-alentejana, sentar-se-ia à sombra (do chaparro, pois), e tiraria do embrulho de linho um dos três repastos que me ensinou serem o "melhor conduto" desta Terra: Pão com chouriço/melão/figos. Só depois seguiria para a jorna, um buraco com madeira de azinho incendiada e depois coberta com terra, dois ou três orifícios para conceder algum ar e, dois ou três dias depois, carvão. O meu avô era carvoeiro depois de, a cada manhã, cozer o pão das gentes. Mas quando eu passei a ter idade para me lembrar do meu avô, ele já morava no Seixal e era porteiro da Mundet. Não era muito velho, mas tinha nos olhos a nuvem dos desterrados, dos que pousam o corpo em terra estranha sem cortar o cordão umbilical de outra. E quando não estava na Tasca do Largo, a jogar à Sueca, a emborcar copos de vinho como se cada um levasse mais um pouco do aperto no peito, a esticar-me sombrinhas da Regina ou a encher-me a cara de beijos e os bolsos de notas do Bocage, debulhava sobre a toalha de plástico, em casa, dois ou três carapaus fritos de véspera, "que é como sabem melhor", sorrindo (orgulhosamente) apenas quando me ouvia dirigir-me à minha irmã como "mana"... Talvez exorcismasse muita da sua nostalgia quando me sentava ao seu colo, cortando nacos de pão, melão, e os dava à minha boca dizendo, a cada vez: "É bom néí"? É. E não há vez nenhuma que coma ao pequeno-almoço figos com pão, como hoje, que não me lembre do meu avô. De como não há nada como o Baixo Alentejo, o seu cheiro a Verão, barulho a cigarras, sabor a alho, azeite, tomate e coentro. E de como só uma terra tão boa pode matar, devagar, a cada dia que nos falta!

4 comentários:

Anónimo disse...

No fim de semana comi carapaus fritos com dois dias e uma bela borda de pão com linguiça (Cá na nossa terra não se diz chouriço!!!!!!!!!!!ALFACINHA)

Anónimo disse...

Linguiça, melão, figos... Isso não dá uma grande caganêra??
Quando o meu avô vinha a Lisboa, trazia umas linguiças deliciosas, diziam os que provavam, porque eu, nessa altura e com as esquisitices da juventude, não ligava a essas coisas.

Anónimo disse...

Eu só não digo linguiça por causa do complexo!
Cá em Lisboa as linguiças são mais fininhas... estão pró chouriço como eu estou pró John Holmes!

Anónimo disse...

Pois é, Espalha... Os anos que se perdem com esquisitices!