Aprendi a gostar de samba com o Amigo Chico, ainda ele era De Holanda...
Serve isto para aventar que os sambas do Seu Jorge, comparativamente à sobre-elaboração quase jazzística do Buarque, parecem monocórdicos. Não fez mal. Seu Jorge canta Blues da Favela, segundo a sua própria definição. Canta letras que recebe pelo correio (muitas de presos), que falam quase sempre dos favelados, explicam a violência sem nunca a excusar. E é no meio de um hino seu:
"A favela, nunca foi reduto de marginal
Ela só tem gente humilde Marginalizada
e essa verdade não sai no jornal
A favela é, um problema social
Sim mas eu sou favela
Posso falar de cadeira
Minha gente é trabalhadeira
Nunca teve assistência social
Ela só vive lá
Porque para o pobre, não tem outro jeito
Apenas só tem o direito
A salário de fome e uma vida normal"
...que se levanta e começa a esclarecer o público menos informado em relação a essa mesma realidade. Que não vale a pena tentar controlar com polícia quem tem fome, que ninguém imagina o que é ter que "vender bala no trem" para comer e ao mesmo tempo olhar horas a fio para os "comerciais" da McDonald's, que nós, os portugueses, sabemo-lo porque temos muitos brasileiros cá e família lá, e acaba a agradecer pela nossa presença, que temos presente que todos aqueles que estão ali são, eles próprios, favelados, mas queríamos desfrutar do que teriam para nos oferecer.
É então que toda a Aula Magna se levanta num aplauso tão efusivo que Seu Jorge, o Mané Galinha da Cidade de Deus, o Pelé dos Santos no "Life Aquatic With Steve Zissou", chora! Mete as mãos na cara e ganha o respeito dos outros em palco que o foram abraçar. Porque esta "tanta gente falando minha língua" não eram, afinal, o bando de preconceituosos em que se tornaram todos os outros ex-colonizadores. Ajoelhou-se. Ergueu as mãos para nós. E cantou, por fim, só com a sua guitarra, cigarro entre as cordas, a sua versão do Life On Mars do Bowie! Para mim, o mundo parou.