Não falo, obviamente, das inúmeras Ruas da Oura que podiam ser uma Rua Nova do Carvalho qualquer. Só que num lugar onde a fealdade assentou arraiais com um sorriso malandro. Refiro-me às Vilas do Bispo, Carrapateiras e Alvores, aglomerados de gente mais autêntica que o abandonado e esquecido Norte. É que enquanto estes apenas lidam com esses seres do espaço que arribam, anualmente, da Franxa, aqueloutros contactam, numa base diária, com estrangeiros que, às tantas, excedem em número os locais, sem que por isso se deixem influenciar minimamente ou sequer mudem de hábitos. Isto faz deles um fantástico objecto etnológico. Ir todas as manhãs a Odiáxere é, portanto, uma exigência minha e uma descoberta para a malta amiga que divide, comigo, a Casa do Castelo, ali, a meio caminho entre este lugarejo e a Mexilhoeira Grande. É uma estradita mal-amanhada de alcatrão rosqueiro que, depois de passar pelo Grupo Desportivo, dá para o ermo na verdadeira dimensão do termo. E nós estamos no meio disso, dividindo o espaço com perdizes, gaios, cegonhas, coelhos, lebres e um sacana de um texugo que durante a noite se faz aos sacos do lixo como a Taróloga Maia a tudo o que tenha menos de 20 anos. E um pénis. Antes assim. Ou não. Sei lá. Aliás, só me lembrei disto porque os meus chinelos rebentaram e a FHM oferecia uns. E a Maia em trajes menores. Nem os chinelos nem a Maia valeram o dinheiro. Mas eu recuso-me a deslocar mais que estes 2 ou 3 km e não calço outra coisa quando estou de férias. É como os calções de banho. Que nos deixam, homens, de salada a badalar. Para o que contribuem, também, estes 35 grauzinhos que o termómetro marca na piscina. E, por incrível que pareça, o medronho sabe bem com calor, desde que fresquinho. Depressa esquecemos as caipirinhas e as minis. O medronho ou, na pior das hipóteses, um caipironho, é a nossa bebida das férias. O estômago que o diga. Para conseguir o néctar é preciso deixar crescer a barba e ter este ar de hippie que perdeu o autocarro para Woodstock e ficou, pois, em Odiáxere. Para não se ser confundido com um undercover agent da ASAE. As pessoas dos lugares onde Portugal realmente existe têm sempre medo dos cães de fila do Estado. Estado é uma coisa, Nação é outra. O que faz com que aqui haja povo e não população, como em Lisboa. E estar de férias também é isto, percorrer de bicicleta (Mariachito atrás a perguntar o nome da passarada e todo sujo de amoras das silvas) a distância que nos separa de 5 litros de medronho encomendados de véspera num sussuro ao balcão (enquanto provava o espécimen) e confirmado por sinais. Na rua principal, um barbeiro à antiga dá as boas vindas ao seio da autenticidade. O clássico calendário da loira capaz de amamentar meia Zâmbia, uma cadeira de rodas à porta e até o velhote que dorme no banco de espera. Tem, até, clientes. Qualquer café aqui vende mais medronho que cerveja, mais cerveja que café, mais bolo de torresmos que pastéis de nata, mais passarinhos fritos que bifanas, mais furos que euromilhões. A antítese de Lisboa reside, também, nos bons-dias de qualquer transeunte a transeunte, cámones incluídos até porque, muitos deles, são residentes e já aprenderam que há mínimos de boa educação. Na banca do peixe do mercado ou no talho já nos recebem com um largo sorriso ao primeiro retorno que se torna, depois, diário. Na mercearia, recebe-me a malandrice das duas empregadas, já entradotas, a oscilar, junto da braguilha, a farinheira de Monchique, a cortar o pão perguntando "Qué provar o cu do paníte? O cu é a melhor parte, dijavóz da experiéncia"... pergunto eu se a menina é ali de Lagos... "É, de Légs? Máquejêt'home... É sô de Monchíq, onde se esconde a cabéça e o ráb que se estrafíq. Na sáb pruqué que os de Légs comem na gavéta? Porque os córns cabém lá déntr"!!!
