segunda-feira, setembro 05, 2011

uM miNUto de silÊNcio e tUDo o qUe vEio anTES d'ELE

Zilda Zuleica olhava o céu-da-boca do Mundo. Deitada de costas. Um cigarro na mão direita pousada sobre o peito. Ignorando a torre de cinza prestes a ruir. A esquerda sobre a barriga. Pedira o velho barco insuflável ao irmão mais velho. O kit de remendos para pneus do irmão mais novo. Que afinal não fora preciso. Deixou que a luz do fim de tarde inundasse de sombras o estreito Zêzere. Empurrou o frágil bote a partir da margem. Consigo dentro. Um remo de plástico. Um livro. "Conversas com Deus". Acho. Não consigo ver daqui. Um maço de cigarros. O silêncio só não era absoluto por compreender: 1. O meigo chapinhar, 2. O pio de um guarda-rios, 3. O canto de muitos pintassilgos, 4. O despique de um rouxinol, 5. A estridência de uma só cigarra, 5. a) O estertor de milhares de gafanhotos. De resto, tudo aquilo causava uma espécie de hipnotismo. Letargia. Indolência. Mais isto de olhar para cima e ver as nuvens a assumir as formas que cada um imagina. Como nos filmes que acabam bem. Não gosto. Eu. Ela não sei. Nunca lhe perguntei. Happy endings são uma estalada de inverosimilhança, disse a alguém. Um dia. Eu não estava lá. Mas ouvi este Tanto tempo a ver a tua cara em tudo e agora não há uma só nuvem onde possa reconhecer um bocado da tua boca... que lhe sai agora, num sussurro. Já os morcegos se amotinam sobre as águas quando torna. Já a coruja pia quando entra no carro. Já não consegue parar de chorar quando deixa cair a testa no volante. A buzina dispara. E, lá fora, por momentos, tudo é quietude. Silêncio, pois. Absoluto. Agora sim.



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