sexta-feira, julho 29, 2011

Entoas Entulho

Brígida olha a porta de entrada do apartamento como um biólogo o aquário dos seus sonhos. Fixa os olhos, mortiços, na maçaneta. Às vezes numa ou noutra sombra visível através daquela pequena frincha em baixo, reveladora de um mundo que lhe é, dias a fio, vedado. A Alegoria do T3, se o Platão fosse um gajo moderno. Por vezes suspira. E sai Amor. Devoção. Dedicação. Fidelidade. Tudo exalado pelas narinas num equilíbrio quantitativo perfeito. Se, num dos ais, a narina esquerda larga 35% de Amor e a direita 65% de Fidelidade, poderá ter-se a certeza que, no próximo sopro, a Dedicação equilibrará a balança concedendo o devido dióxido de carbono à Devoção. E Saudade. Muita Saudade. A saída de Cássio para o trabalho deixa-lhe, a cada manhã, um nó no estômago. E a boca seca. O que resulta, invariavelmente, num fastio de dia inteiro. Sempre no sofá. Até que ele volte. Não controla os gemidos durante os primeiros dez minutos de separação. Um quase choro tão, mas tão angustiado que poderia jurar-se: Brígida teme o dia em que Cássio não volte. Coloca essa hipótese todas as auroras. E sofre diariamente a dor da separação. Mas quando ele chega, e até agora fê-lo todos os dias, às vezes o cheiro de outra ou mais que uma, não faz mal, inunda-se-lhe o coração de calor. De tons de girassol contra o céu de Verão. De sons de cem ribeiros entre mil aves canoras. De sabores a chocolate com banana e canela e mel. De... OLHA... Aí está ele, pensou. Ão ão, exclamou!  



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