segunda-feira, junho 18, 2012

sTAr LinG

A Mulher Que Tinha Um Bando de Estorninhos Sobre a Cabeça
Não saía à rua. Com vergonha. Via TV. E sonhava com cheiros de chocos grelhados. Num fogareiro da Rua do Ferragial. Que alguém vigiava do postigo. Descascando uma laranja em espiral.
A Mulher Que Tinha Um Bando de Estorninhos Sobre a Cabeça
Não conhecia quase ninguém. Longe ia o tempo em que trocara carícias. E ganas. De agarrar com força. E perdê-las. Às forças. E ganhá-las. Às borboletas. Na barriga. E deixar a Noção do Tempo num lugar muito longe. Onde nunca estivera. Roma. Barcelona. Sabe lá.
A Mulher Que Tinha Um Bando de Estorninhos Sobre a Cabeça
Cruzara um dia a Praça de Dom Luís I. De noite. Ouvira-os na costumeira guerra por um poleiro. Nas palmeiras. Nas olaias. Nas acácias. Nos rododendros. Trocaram-nos por ela. Até hoje. Até amanhã.
A Mulher Que Tinha Um Bando de Estorninhos Sobre a Cabeça
Tinha-os sempre aos voos. Ou só um. Daqueles à estorninho. E achava tudo muito bonito. De como eram formas. Vivas. Um bando-cardume. Um bando-enxame.
A Mulher Que Tinha Um Bando de Estorninhos Sobre a Cabeça
Ouviu, um dia, chamar por si. Foi à janela. Que não abria desde que cruzara um dia, de noite, a Praça de Dom Luís I. Onde tens andado, mulher, perguntava, lá em baixo, o Necas da Retrosaria.
A Mulher Que Tinha Um Bando de Estorninhos Sobre a Cabeça
Lembrou-se que encomendara um conjunto de botões para o seu vestido de chita. Que era, na altura, novo. Bafiento, agora. Mandou-o subir. E estranhou que ele não estranhasse a estridente nuvem. Em perpétua mutação. Que a encimava.
A Mulher Que Tinha Um Bando de Estorninhos Sobre a Cabeça
Lembra hoje esse dia em que saiu à rua. De mão dada. Até à Ribeira. De como ele lhe dissera, ali para a Rua dos Remolares, A passarada conirrostra não me incomoda.
A Mulher Que Tinha Um Bando de Estorninhos Sobre a Cabeça
Pressente-o agora. A chegar por trás. Enlaça-lhe a cintura. Ele sente o tecido. De chita. Com botões novos. Ela frita oito jaquinzinhos. E ouve-o sussurrar Fazem de ti uma Roma ou uma Barcelona qualquer. Gosto do teu céu.
Debaixo de uma nuvem canora.


1 comentário:

A erudita. disse...

Que belezura.