segunda-feira, novembro 07, 2011

bUs StOp

Uma paragem de autocarro. Que ficava entre duas araucárias. Que ficavam entre uma fila de ciprestes de muitos, muitos quilómetros. Ao longo de uma estrada que rasgava muitos mais. De nada. Ou quase. A certas horas do dia, sempre as primeiras ou as derradeiras, as árvores projectavam as suas sombras cónicas até ao limite da colina além ao fundo. Eurípedes não se importava de esperar tanto tempo pela carreira. Era uma das poucas coisas que não se importava de fazer. Mas tinha de ser aqui. Nesta espécie de paralelipípedo. De chapa ondulada. Pintada de verde. Sem um dos lados. Com uma tábua de madeira de topo a topo. Gostava de ouvir o canto dos pássaros e tentar adivinhar espécies. Com uma margem de erro que ele próprio traçava antes de dar início oficial ao desafio. Que era quase sempre de um em dez. Tão esparsos eram os carros que por aqui passavam que, conforme o vento, era até possível ouvir, de hora em hora, o sino da aldeia mais próxima. Que estava muito longe. E era a sua. Tudo isto o envolvia num tão morno manto de afecto que não poucas vezes dava o exemplo de como o mar, visão a que teve acesso apenas uma vez na vida, numa excursão da escola, não lhe inspirou especial encanto. Antes achou curioso como a areia da praia, que naquele longíquo dia gelava os pés descalços, estava mais quente por baixo. Cremilde, a sua namorada na altura e com quem esteve para casar até à véspera da boda, também achou o fenómeno interessante. Aos pés de Eurípedes está Fiel, o cão. Que o homem apresenta às pessoas como sendo Cão, o fiel. Está velho. Dormita e só abre os olhos quando o dono deixa cair uma beata para o chão. Faz pouco mais. Para além disso e de seguir, diariamente, o dono até este lugar. O autocarro passa. O homem, que o ouviu a aproximar-se, não se moveu. Depois, como que falando para o cão, disse É o que sai de Beja às 11h20. São horas de nos pormos a andar. E o animal, como que percebendo cada uma das palavras, ergueu-se tremulamente nas patas e combateu o reumático com um alongamento dos quartos dianteiros. Nos montes circundantes, ninguém sabe porque tem Eurípedes este ritual. Uns dizem que tudo se deve a Cremilde ter partido, na véspera do casório, na carreira da Mina de São Domingos para o Campo das Cebolas. Nunca mais deu sinais de vida. Os mais novos dizem só que o homem é maluco, inundando-o, jocosos, de copitos de vinho até ele tropeçar na língua. Nós só sabemos que um homem com um cão numa paragem entre duas araucárias e uma fiada de ciprestes é uma imagem bonita. E, para já, é o que interessa. 



Sem comentários: