segunda-feira, agosto 22, 2011

pOst ViVeM

Trajano Tarrataca não queria tal responsabilidade sobre os ombros. Como quando o outro pede ao pai, cada um no seu extremo da barca, fisionomias idênticas Pai, afasta de mim esse cálice. Fazia-o sentir-se como aquela escultura sobre a secretária do padrasto. Um senhor com uma fita desportiva na cabeça e o Mundo às costas. Atlas, soube depois. O mesmo nome que tinham aqueles dez livros na prateleira do móvel da sala lá de casa. Que costumava folhear para passar o tempo. Tinham sempre fotografias de sítios lindíssimos. Mas com pessoas esquisitas. Com chapéus estranhos e roupas coloridas. Os mais estranhos eram sempre os pretos. Com pratos na boca. E corninhos nas orelhas. E mamas penduradas até à barriga. Como sultanas de Ano Novo. Isto eram palavras do avô Olípio. Não as dele. Para além desses, havia só mais um. "Por Quem Os Sinos Dobram". Mas não tinha fotografias. E era um nome ridículo. Toda a gente sabe que os sinos balançam. Não dobram. Oscilam, vá. E por quem o fazem só interessa a quem vai à igreja. Que é o sítio mais chato do mundo a seguir aos filmes que o avô Olípio costuma ver com senhores a meterem a pilinha numa espécie de boca velha e sem dentes que as senhoras têm entre as pernas. Elas até são bonitas mas fazem sempre uns sons iguais aos da vizinha de cima quando os pais estão fora e eu irrita-me (a mim, Trajano) porque não consigo dormir e não sei como é que ela faz isso porque já anda no 2.º Ano do Ciclo e é muito difícil e não se pode ter sono nas aulas. Neste momento, ergue o olhar para o avô. Enquanto escava o buraco. Assume aquilo que pensa ser uma súplica muda. Nada. Já chega, exclama o velho Olípio. O tom monocórdico. Desprovido de qualquer presença. Ausente, portanto. Deposita o saco na cova. O plástico preto a mexer-se. Muito. Vêem-se os contornos. Orelhas e caudas. Uma pata cujas unhas conseguem fazer quatro pequenos furos. O avô ergue a pá no ar. Trajano pensa, nesse momento, que isto lhe ficará para sempre. Uma pancada seca consegue extrair mios que ainda não se tinham ouvido a nenhum dos bichos. Oito gatos malhados que Pantufa, a gata da casa, parira entre as raízes da velha oliveira. Tinham três dias. E nomes. Que agora, à segunda pancada, o puto esquecera. Os mios cessaram. Trajano pensa Nunca mais ouvirás nada da minha boca, avô. Sente o cérebro a arder e as mãos frias. Tapa isso. A voz roufenha do velho. Cede. Empurra a terra para cima do saco e jura que o vê a mexer outra vez. Pensa em quando a Stephanie, a menina que vivia em França e voltava sempre em Agosto, lhe mostrou a pipíua quando jogaram ao Bate Pé atrás do Café Central, por entre as bilhas de gás. Suava, então, como agora. Não agora que parte, com o velho, sem olhar para trás. Agora que acabou de dar, com 28 anos, um soco na cara da prostituta de rua que era a da rua dele. Porque fizeste isso, palhaço? Levanta-se e veste as cuecas sujas. Os olhos muito abertos. O medo. Paga-me, cabrão, balbucia. Sangue na boca. Ele responde Mia, puta! A expressão incrédula És maluco, pá. És louco. Trajano Tarrataca sorri tão maliciosamente como nunca se lhe vira e exclama Se não miares vou-te matar! e aponta para uma velha pá atrás da porta.







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