Olha, João...
... Tinhas, em mim, tudo contra ti.
Odeio Nova Iorque sem nunca lá ter ido.
Que é a pior forma de ódio possível.
Remeto para um canto obscuro das prateleiras lá de casa tudo o que lhe faça referência.
Talvez a Balada de Hill Street, e aquele gatinho com chapéu azul que miava no fim seguido de um di di di da da da da da dum tenha exercido, sobre mim, uma influência inversa.
O Spike Lee e os seus Clockers também.
Um John Torturro feito todos os orfãos apátridas de uma cidade que não acolhe.
Empurra de beco em beco.
Fazem-me espécie as cidades que não têm cães e gatos vadios.
Não quer dizer que não existam, apenas que não se vêem.
Com eles, animais, desaparece também uma boa maquia de humanidade.
Conhece-la bem, tu, percebe-se.
Não se percebe, porém, se a amas, ainda que, caso sim, seja à tua maneira, como julgo que ame à sua cidade cada nova-iorquino.
Mas tens, quanto a mim, uma maneira muito tuga de trincar a Grande Maçã.
Que é a mesma de trincar outra pecinha de fruta qualquer.
Sempre com uma réstia de saudade de uma boa, inconfundível, única e doce pêra rocha do Oeste.
Bombarral ou Tramagal ou Lourinhã.
Para depois de um robalo de 2kg da Berlenga.
E essa tuguice de se estar bem e aprender a amar a forma da própria sombra sobre o padrão do chão em qualquer lado do mundo, é muito nossa.
E tua, pois.
Não traçarei comparações.
Mas fizeste-me lembrar o Cossery, mais que o Auster de que tanto te rotularam.
Uma cambada de Timbuktus, é o que é.
Terás, portanto, mais cosseridade que austeridade, o que é, quanto a mim, bom.
Tens, contigo, a capacidade do enredo.
Com essa, o ritmo de um fio-à-meada feito de pequenos nadas que, juntos, saciam.
Não conheço mais que o teu Hotel Memória.
Mas lá irei.
Até lá, nada de manifestações de gáudio e mariquices.
Aceita, porém, um forte aperto de mão, rapaz!
2 comentários:
Este mundo tem coisas tão fabulosas para partilhar para com quem pode e esteja disposto a ver, que para mim cidades, cultivadas de torres e carros não é o que me apaixona mais.
Sobre as cidades consigo imaginar a varanda onde Albert Cossery imaginou a sua personagem acompanhado do papagaio de papel amarelo, conjecturando manifestações de gáudio no seu ensaio sobre a violência e o escárnio; tudo, numa cidade que não consegue definir o tempo nem se consegue definir a si: é uma cidade (ponto!).
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