terça-feira, julho 26, 2011

O cÉu dA bOcA e cAdA 1 doS TeUs cAbeLOS

Bráulio apertou a cebola com jeitos de Chef. Depois mirou-a como se fosse a última. A derradeira cebola roxa do Planeta Terra. Depois desta mais ninguém chorará, pensou. A luz filtrada pelo estore dava à cozinha um ar de cena de sexo num blockbuster romântico dos anos 80. Com Banda Sonora da Celine Dion. Ou dos Roxette. Cortou tudo em fatias longitudinais. Muito finas. Depois transversou a faca. Voltou a cortar. Quando o vegetal era um monte de cubos quase transparentes, deitou-o sobre o azeite fervente no tacho. Havia poesia naquele gesto. Mas não verteu uma só lágrima. É verdade que há pessoas que matam baleias, pai? ouviu atrás de si. Uma pequena figura com um brinquedo pesando em cada uma das mãos. Os braços ao longo do corpo como que suplicando uma resposta negativa. Os cantos da boca em direcção ao queixo. Costumavam estar de orelha a orelha. Pensou quanto valeria uma mentira destas. E decidiu comprar, ali, uma meia-verdade. Que são mentiras em saldos É, filho. Mas a polícia há-de apanhá-los a todos. Um a um. O menino fitou, por segundos, uma das rodas do carrinho que tinha numa das mãos. Como quando tu foste multado por falar ao telemóvel? A surpresa serviu de gatilho. E Bráulio disparou sem pensar Exactamente! Vês? Eles vêem tudo! A criança encostou o queixo no peito, inverteu o sentido e deixou a divisão, exclamando Pois... mas tu continuas falar ao telemóvel enquanto conduzes. Não aprendeste a lição. E eu também estou farto de te dizer que não gosto de cebola na minha comida. O homem suspirou. Um longo e demorado suspiro. Como uma grande Baleia Azul vinda à superfície em festim de cril. Só depois chorou. O arpão do que poderia ter sido cravado fundo nas costas...



Sem comentários: