"Assim, assim, não páres, vai, vai, Josué".
"Pan, Pan, Pan", não foi apenas a porta que abanou, foi toda a casa. Josué quedou-se, olhos na porta, mas recusando-se a parar com os vaivéns da pélvix, quase involuntários, dir-se-ia, incrédulo.
"Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica, abra por favor."
"Tás parvo, Jos? Pára com isso e vai lá, atão"? Envolvendo-se no lençol que se enrolara aos pés da cama, Josué dirige-se para a porta. Não lá chega. A mesma é arrombada e assomam-se três indivíduos de semblantes carregados, personagens decalcadas das fotos antigas de agentes da PIDE, KGB, CIA, MOSSAD. "Sr. Josué Espírito Santo"? "Sim, o próprio, mas imagino que já soubessem, ou costumam arrombar portas ao desvario"? "A ironia é um subterfúgio recorrente dos culpados. Queira o caro contribuinte endereçar uma carta aos nossos Serviços Centrais e o seu pedido de indemnização será cruzado com as incriminações que levemos hoje". "Ah já sabem que me vão incriminar, bonito", "Não torne a sua situação ainda pior, contribuinte. Recebemos uma queixa por confecção de géneros alimentícios recorrendo a sal marinho não refinado". Entretanto, já os outros dois agentes remexiam tudo. O alto, de barba rala, não tinha mãos para tantos sacos plásticos de amostras, entre eles: beatas, uma maçã, um tupperware e pão. "Temos isto, inspector". "Muito bem, contribuinte. O que temos aqui? Hhhhmmm muito bem... está a guardar este pão pra migas, é? Ainda estamos na casa da mamã, é? E esta caixinha para conservar a comidinha, hm? Acha que isto está a vedar condignamente? É pra levar os restinhos pó almocinho no trabalho, héim? Não há restaurantes lá na avenida? E uma maçãzinha bravo de esmolfe... está a brincar comigo? Não sabe que esta variedade não está omologada pelo Ministério da Agricultura? E a fumar em casa? O contribuinte não está a incorrer em contra-ordenações, meu amigo... isto é pura prevaricação!!! Ora deixe-me ver!" E retira da gabardina um blogo de notas quadriculado onde distribui parcelas. Ordena, em tom grave: "Agente Pires, traga o terminal de Multibanco. Este contribuinte terá de pagar 2.700 Euros". "Mas eu ainda nem recebi o subsídio de férias", "Pois então parece-me que vamos ter de o levar até se decidirem penhoras, não"? Alguém grita do aposento. Todos correm naquela direcção. O outro agente, de sorriso perdigueiro, fixa o olhar em Josefa, sentada à cabeceira, cobrindo as vergonhas com as almofadas. "Estavam na palhaçada, Inspector! Sente o cheiro"? "Macacos me mordam. Esta gentalha nem espera até que se lavem lençóis. Pois bem, analisemos, então, a coisa. Pires, ela. Lima, ele. Rápido". Passa-se uma cotonete pelo prepúcio de Josué, outra na vulva de Josefa, que se debate. O agente Lima declara: "Esmegma, Inspector. E algumas fezes". "Menstruação, Inspector. Diria de terceiro ou quarto dia", alvitra Pires. "Tás com o período, vamos à alternativa, héim??? Tá bonito este mundo mais as suas demonstrações de afecto! Bom trabalho, rapazes! Tragam-nos, que isto já vai dar um prémio jeitoso. Acho que este ano acabou-se a Ericeira e vou mazé pó Taití", e saem às gargalhadas.
Antes de entrar para a carrinha, ouvem-se três tiros na casa ao lado. As janelas iluminam-se com as detonações. "Mais um assalto à mão armada por causa de bijuteria. O costume". "Devemos chamar quem de direito, Inspector"? "Não vale a pena, Pires... A choldra não dá pra todos e a esses maltrapilhos o Estado não consegue sacar tostão. É só prejuízo. Vamos"!
Josué olha lá para fora, de rosto encostado à janela. Balbucia: "Lembras-te, querida? A única discussão que tivemos na vida! Quando os primeiros restaurantes fecharam por falta de condições e o tabaco foi proibido em quase todos. Eu disse que era o princípio do fim da liberdade. Tu disseste que não"!
6 comentários:
pois la sabe o Josué zandinga, o que nos espera...
1984 revisitado pelo Meistre Diaz???
No CU!!!!!!!!!
Olhó Barb, man! Atão, pá? Tá-se? Fizeste aquilo que eu te disse pra fazer?
Ires apanhar nos entrefolhões???
Porquê na Penacova?
Porque não?
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