Deodato sentou-se. Esculpindo um baixo-relevo de duas nádegas na fina areia da praia do Almoxarife. Em seu redor, um sem-fim de caravelas portuguesas. Que ficaram da última preia-mar. Dezenas de pontos púrpura como que a cromatizar o areal cinzentão. À esquerda a Ponta da Espalamaca. À direita, a Horta. Paragem obrigatória de mareantes mais aventureiros e menos românticos de todo o mundo. Tristemente igorado por tantos portugueses. Fascinados pelo exotismo. Ignorantes de assombro. Em frente, o Senhor Imenso. Majestoso Pico. O costumeiro anel de nuvens em torno do cume. Um Kilimanjaro mais marujo. Apagou o cigarro Além Mar. No resto da cerveja Especial que deixara, propositadamente, no fundo da garrafa. E voltou a admirar a velocidade a que a sombra escalava, pela encosta direita, vulcão acima. Daí até à noite cobrir a tudo e a todos à excepção do Piquinho, derradeira ponta rosa antes das trevas, pensou apenas em como este lugar, mágico e único, poderia ser o mais belo do mundo. Ergueu-se e mirou, mais uma vez, o Canal. Para reparar num vasto dorso que, lá longe, apareceu. Reconheceu a espécie pela expiração do espiráculo. Foram anos de artes beleeiras a ganhar manhas que não se perdem numa vintena de interdição. Era uma baleia-de-Bryde. Uma das que nunca se atrevera a arpoar. Mesmo nos seus tempos mais intrépidos. Ficara-se sempre pelos cachalotes. Que já davam trabalho sobejo. Perante tal visão, tão habitual como enlevada, Deodato pensou que, definitivamente, não haveria lugar mais maravilhoso. Acreditava mesmo que o Espírito Santo, ele próprio, pousara aqui a imensa mão. Num dia mais inspirado. Mas foi já a subir as escadas de lava tosca, ao colocar a mui católica e pouco cristã hipótese de não haver paraíso sem senão, que a terra tremeu.
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