sexta-feira, novembro 04, 2011

hELp tHe aGEd, diria Jarvis...

Rodovalha tentara, de toda a maneira, feitio e mais qualquer coisinha, livrar-se daquilo. Dezenas, centenas, depois milhares e finalmente milhões, garantia, sem temer exageros, a uma parcimoniosa audiência de idosos bafientos, esparsamente sentados pelas doze (12) mesas de fórmica do café/leitaria/snack-bar KaTeKero. Todos eles de boca aberta. Uns por admiração ou fascínio. Outros porque é assim que os velhos ficam quando se distraem. Maxilar inferior estendido ao infinito. Cachalótico prognatismo. Dois dentes por sujeito. Em média. Júlio, que cheirava às laranjas que descascava, todos os dias, ao primeiro sinal da aurora, foi o único que assumiu a sua ignorância. Puxando os óculos para a ponta do nariz, onde tinha uma pequena selva de pêlos negros e hirsutos, disse Mas que raio vem a ser um gorgulho? Rodovalha quedou-se, assim, de braços erguidos do gesto que usara para transmitir a noção, rodando apenas a cabeça em direcção ao extraterrestre que não sabia o que era, provavelmente, o insecto mais comum do planeta, logo a seguir aos militares. Não olhe assim para mim, minha senhora. É só uma pergunta. Não responda se não quiser, que eu oiço a história à mesma. É o que faço com o meu médico da Caixa, disse o engelhado humano. Risada. à excepção dos moucos. Rodovalha pensou Sacana do velho. Só para tirar esse cheiro a cânfora precisavas de três banhos de creolina. E essa caspa nos ombros dava para polvilhar uma fornada de pastéis de Tentúgal, mas disse apenas Meu caro amigo... o gorgulho é um bicho que vai às leguminosas secas, ao arroz, às sêmolas. O antigo acenou negativamente. E a obsoleta entre os dois mexia deseperadamente no aparelho auditivo franzindo, mais ainda, as feições. Tenho a casa cheia daquilo, gente. Maria Antónia, a alcoviteira, que cheirava a naftalina, raspou mais uma vez o interior do pastel de nata com a colher do carioca de limão, lambeu-a, deu uma ruidosa trinca na massa folhada e declarou, cuspindo grandes bocados em todas as direcções Se fossem baratas era pior. Rodovalha achou que não. Porque ninguém sequer imaginava o que era abrir a porta da despensa e ouvir a sinfonia de bocas a roer. Uma espécie de bulício sem fragor. Um permanente burburinho. Irritante. Foi o que ouvira ainda antes de dar conta da infestação. E pensou estar louca. Hipótese que nunca antes havia colocado. Ao contrário de quase toda a gente. Clotilde, que cheirava a gatos e tinha sido, nos longínquos anos quarenta, o mulherão de Lisboa, frequentadora de casas de fado, cabarets e bares do Cais do Sodré, solícita prestadora de serviços mais íntimos e vendedora de limões na Rocha Conde d'Óbidos, propôs Eu tenho lá um pó que me deu conta das baratas, traças e assim. Rodovalha pensou Eu envenenava-te era a ti, minha porca, que és a vergonha do bairro, mas disse apenas Não é preciso, Dona Clotilde, muito obrigada. Uma cadeira arrastou, no extremo da sala, rugindo no chão de lajes moiras. Todos os olhos se dirigiram para ali. Os surdos também. Por causa da vibração no chão. Metes tudo no congelador, grão, feijão, arroz e massas. Depois demolhas que a bicheza flutua toda. E tu é que és a vergonha do bairro e não vais envenenar ninguém, disse Alda, que cheirava a perfume de drogaria e, dizia-se, lia pensamentos.







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