quinta-feira, outubro 20, 2011

GrOunD cOntrOl tO mAncEbo dIAZ

Lígia acordou em sobressalto sem que o despertador tocasse mas já depois de o ter desligado três vezes, ao mesmo tempo em que, na outra ponta da cidade, Lúcia quase dava por terminado o serviço de limpeza na empresa que contratara a sua prestação de serviços, não fora a embalagem de limpa-vidros que derramara sobre o portátil aberto na secretária do Director Geral.


Eduardo estava prestes a servir uma meia de leite escura e uma torrada aparada à Dona Eládia quando ouviu o seu telemóvel tocar na copa, no preciso momento em que Esmeralda, numa cidade não muito longe memorizava, em frente à televisão e de comando do velhinho leitor VHS na mão, os diálogos de um filme.


Gonçalo rodava, sem sucesso e pela sétima vez, a chave na ignição, tentando ignorar o cheiro a gasolina e o olhar jocoso dos transeuntes da Av. das Forças Armadas, enquanto duas transversais ao lado Gina atingia o seu orgasmo de obrigação contra o peito sem pêlos nem amplitude do namorado que cheirava sempre, mesmo depois do banho, a loja chinesa.


Piedade acenava ao autocarro a transbordar, pressagiando o insucesso do gesto e gritando, antecipadamente, Filho da puta ao motorista que, podia jurar, trazia um sorriso travesso na cara sulcada de sol filtrado a pára-brisas, coincidindo tudo isto com o salto que Pedro dá, alguns metros de profundidade abaixo, para a linha, segundos antes do metro direcção Pontinha entrar na estação.


Amir ignora, ao passar na Rua da Amendoeira, o violento embate no seu ombro de uma bola que, todos os dias, os putos do bairro chutam na tentativa de derrubar o turbante no exacto segundo em que, no outro lado do Mundo, um Director de Linha de Produção, chamado António, dorme o sono dos justos depois de, pela terceira vez em apenas um ano, ter mandado trezentos e cinquenta trabalhadores de uma exploração de óleo de palma para casa.


Eduardo atendeu o telefone e disse Sim, amor, estou a trabalhar, o que foi? ao mesmo tempo que Lígia entrou, à pressa, para o duche.


António acordou sentindo um calafrio a correr a espinal medula no sentido ascendente e reparou que tinha as palmas das mãos completamente suadas no preciso momento em que Gina olha para o namorado, passa a língua nos lábios e diz Estou grávida!


Gonçalo consegue finalmente que o velhinho Peugeot 205 Lacoste pegue e grita Yahooo! Jean Jacques, eu sabia que não me ias falhar enquanto Lúcia se desdobra em mil e uma desculpas perante o Senhor Director que acabou de entrar no gabinete.


Piedade decide esticar o polegar e parte um salto no exacto segundo em que Esmeralda conclui que já sabe de cor a deixa pretendida porque já é a décima vez que a recita sem qualquer inexatidão.


Pedro não sente o embate do metro porque morre de uma electrocussão coincidente com o momento em que o agente do SEF, mastigando pastilha elástica, ergue a mão, olha Amir nos olhos e ordena, sem antes desejar um bom dia ou dizer Salam Malaekum, Passaporte, fáxabôr!


Esmeralda pega no telemóvel e liga, com uma lágrima num dos olhos mas sem ranho no nariz a confirmar qualquer tristeza, para o namorado.


Lígia repara no fio de sangue que lhe escorre pelas pernas. Chora!


Eduardo ouve, do outro lado da linha, This is a story of boy meets girl. The boy, Tom Hansen of Margate, New Jersey, grew up believing that he'd never truly be happy until the day he met the one. This belief stemmed from early exposure to sad British pop music and a total mis-reading of the movie 'The Graduate'. The girl, Summer Finn of Shinnecock, Michigan, did not share this belief. Since the disintegration of her parent's marriage she'd only love two things. The first was her long dark hair. The second was how easily she could cut it off and not feel a thing. Tom meets Summer on January 8th. He knows almost immediately she is who he has been searching for. This is a story of boy meets girl, but you should know upfront, this is not a love story e conclui, pela conversa da véspera, depois do visionamento do filme "500 Days Of Summer", que a namorada está a acabar tudo com ele.


Gonçalo repara que a sua namorada de liceu, mais magra, gira e sem borbulhas, está à beira da rua a pedir boleia. Sem perceber porquê, vem-lhe à cabeça, pela primeira vez desde que foi proferida, há mais de dois meses, a frase Tem cuidado que eu estou saída! 


Lúcia fica espantada com o sorriso benevolente do homem que tanto medo lhe inspirava até agora, enquanto ouve Não faz mal. Compro outro. Que tudo fosse assim tão simples.


Gina suspira, inspira outra vez e prende o fôlego para dizer Mas não é teu.


Piedade vê que o seu ex-namorado de liceu, mais gordo e desleixado, pára para lhe dar boleia para o trabalho, diz-lhe Que surpresa! Estás diferente! mas pensa E foi este estafermo o único que deixei vir-me ao cu.


António teme que o pressentimento tenha a ver com a gravidez da mulher.


Pedro fica confuso porque não sabe se deve caminhar para a luz ou afastar-se dela, como dizia a pequenota do filme "Poltergeist", que vira há muitos anos no Cinema Condes com a mãe, Lúcia, que queria levá-lo a ver o "Ghostbusters" mas enganou-se porque não percebia muito do assunto e só o queria fazer feliz.


Amir suplica, enquanto é algemado e durante todo o trajecto para extradição, para que liguem para o filho, que é Director Geral numa empresa de renome, sabendo contudo que os separam algumas décadas de silêncio depois de palavras amargas proferidas numa ceia de Ramadão.


Dona Eládia ergue, lá ao fundo da sala, a mão direita meia de leite escura e a torrada aparada, caralho?



































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