quinta-feira, outubro 13, 2011

FiCçãO dE bOmBaZinA

O tilintar dos talheres em loiça e vice-versa.

Josineide olhava com estranheza, estampada no rosto moreno, pueril e delicado, para a mesa em frente. Um operário, de fato-macaco e pontas dos dedos tingidas de negro em cada linha da impressão digital, comia uma espécie de pequeno disco amarelo. Mordia-lhe a ponta. Apertava. Libertando o interior numa suave projecção para o fundo da boca. Depositava a casca num pires. Acompanhava o belisquetchí com um chôpe gelado. O que provava que era bom. Mas exótico. 

Josineide, Agostinho da parte do pai, Dorivaldo, e Almeida da parte da mãe, Benvinda, que a parira de cócoras, agarrando-se à vida e a sonhos por concretizar e às grades dos pés da cama, chegara a Portugal há pouco mais de dois meses. Vinda de um lugar mais quente, com música na rua e onde chôpe vai com castanha de cajú frita em pimenta. Ou açúcar. 

Carlos, sentado ao seu lado, fita-a, segue o tracejado da direcção do seu olhar e diz, monocórdico, com a habitual voz de castrado mas sem o ser, como ela comprovara da pior maneira, da que dói e dá nojo e faz tomar dez duches e o cheiro não sai Não devias olhar dessa maneira. Parece que vens de Marte ou assim. Que nunca viste pessoas. Ela rodou a cabeça pela primeira vez nos últimos sete minutos e mirou a pobre amostra de homem, a quem oferecera, em segredo entre colegas, a alcunha de Mico Saguí Não vejo mesmo..., declarou. O Anão de Circo, como lhe chamava Kleide, a mais antiga da casa, elevou as sobrancelhas até quase ficarem escondidas por trás do cabelo negro e hirsuto Como não? Tens dos trabalhos mais sociáveis que há. És um Front Desk, pá. Um Customer Care com uma lista de Key Accounts, e sorriu tão maliciosamente quanto o bigode de vinte anos sem cuidados o permitia perceber. Está me xingando? Está pensando que eu sou o quê? Tua vovó? Tenho grades nas janelas que nem favelado, como todo o dia o que dão para mim, a veneziana não abre nem por o Natal e a única visita que tenho sem ser cliente é a cabra da peste da esteticista que vem depilar minha xereca, quase gritou sussurrando, se é que isso é possível, porque foi, de facto, um sussurro, isso garante-se, mas cravando as unhas de gel no tampo da mesa, cerrando os dentes com a força de um pittbull e projectando um ou dois gafanhotos para a cara do chulo. Esse gozava o prato São mordomias que a maior parte das portuguesas dariam o cu e dez tostões de real para ter. Ao menos não levas nos cornos quando o Benfica perde. Ou porque sim. Ela vira novamente a cara na direcção do pequeno prato de frutinha amarela, exalando um Não enche o saco, não faz ameaça, não vem de garfo que hoje é dia de sopa, vai tomar no cu e vai ter com a tua turma em apenas um suspiro. 

Carlos levanta-se.

Josineide Almeida Agostinho encolhe-se por instinto.

Vou mijar, diz ele. Ela ergue o olhar, sorri e diz, desta vez para que todo o estabelecimento oiça Vai. E puxa a pelinha para trás, que tá parecendo pescoço de galinha. E deve ter estado fora da geladeira, porque também está fedendo. Agora é ele que serra os dentes. Poucos. Não te queixaste, puta, diz. E podia?, continua ela, de sorriso rasgado por saber ter irritado o Pequeno Macaco, como lhe chama Maria Aparecida, a menina do quarto 100 que todos os clientes acham que tem 18. Mas tem 12.

O homem da mesa em frente ergue, finalmente, os olhos do jornal Chamam-se tremoços. És servida? Ela fita-o, sorri, pisca duas vezes os olhos e responde Oi? 


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