Foi há coisa de uns 7/8 anos que a singela beleza em forma de chefe de redacção me disse, num sussurro, como sempre, por entre lábios finos e rosa embutidos a régua e esquadro numa pele alva, ostentando minúsculas sardas por baixo de dois olhos de um azul-céu-de-Baixo-Alentejo-com-40ºC, devolvendo-me o A4 que eu lhe entregara com propostas de entrevista, os dedos finos mas curtos, assim algo desajeitados mas duma forma pueril, esticados sobre a minha caligrafia-à-pressa, que ela porém sempre percebeu, unhas curtas e da mesma cor da carne: Se estás sempre a falar dele, porque não entrevistas o Vasco Granja?
Os seios apoiados pelo tampo da secretária.
Procurei um número de telefone por todo o lado, pedi, vasculhei.
Nessa tarde, ela tinha uma camisa branca com atilhos.
Finalmente, encontrei... e liguei, nervoso! Era, afinal, o Vasco Granja...
Sempre aquela pequena franja de cabelo a cair-lhe sobre os olhos. Umas vezes, recolocava-a atrás da orelha. Um tique. Outras, soprava-a. Um trejeito.
Do outro lado, atende-me uma voz de avó, docinha mas sofrida.
Cheirava a feno, ela, principalmente ao fim do dia, em dias de fecho de edição.
Ó filho... ele já não fala, não se mexe, nem consegue estar, não há condições, peço desculpa.
Foi a primeira mulher que eu vi ficar ainda mais bela quando grávida. Pés inchados, mãos na anca, uns seios desproporcionais, mas aquela luz em seu torno. E o aroma a campo, como se tivesse desbravado tremoceiros para alcançar aquela azinheira, orgulhosamente só no meio da planura...
As melhoras, disse eu, que mais dizer?
E não houve, desde aí, dia em que não pensasse Será possível que o homem tenha morrido e isso não tenha constituído notícia?
E não houve, desde que a conheci, dia em que não pensasse Que raio de voltas dá esta vida para que nunca tivesse um beijo, uma merda de um beijo, sido possível.
Não. Pelo menos no meu círculo de amigos e colegas de trabalho, Vasco Granja não será falado só depois de morto. Um simples jantar em casa de um de nós é desculpa basta para que o assunto koniek volte à baila. Porque os desenhos animados do Vasco Granja acabavam sempre, não com Fim, mas com Koniek, que é Fim em checo ou húngaro ou búlgaro ou romeno ou lá o que é. Não interessa. Interessa reter apenas que aquela figura magra, a quem a RTP obrigou a ser mais comedido com o seu esquerdismo, substituindo para isso as habituais animações de areia e plasticina e sombras chinesas pelos estupidificantes e indutores de violência Tom & Jerry, Looney Tunes e Mister Magoo, foi, ao fim e ao cabo, um educador de uma geração. E incutiu, principalmente, bom gosto. Que hoje é raro precisamente porque o Vasco Granja já não apresentava animações da RDA ou Checoslováquia ou assim. As crianças de então, que são hoje os adultos capazes de aturar um La Féria ou uma novela brasileira, dirão “eu não gostava NADA do Vasco Granja” e preferiam, mil vezes, o Sítio do Pica Pau Amarelo. Os outros, que “aturavam” aqueles monólogos de mais de dez minutos (sabe dEUS com que dificuldade), são adultos sensíveis, educados e, sobretudo, exigentes. É por isso que Vasco Granja não deixou um legado. Deixou foi um rancho de afilhados que são os homens de hoje. Mas são-no com H grande. Porque essa que se pode, agora, sem pruridos de qualquer espécie, denominar de Geração Vasco Granja, despertou muito cedo para o facto da beleza residir muito para lá do que conhecemos.
Naquele tempo, chegavam-nos, graças a ele, coisas que estavam vedadas ao mundo ocidental.
E, pelos vistos, havia Humanidade e Beleza, daquela Beleza bruta, inegável, para lá da Cortina de Ferro.
Sob a forma de animação.
Hoje, mamamos apenas do que nos deixam.
Porque já não há Vasco Granja.
E parecemos todos uns Looney Tunes!
Até sempre, Pai Vasco
Até um dia, Carla
12 comentários:
De todo o texto, todo este delicioso texto, que me deixa de olhos fixos e um sorriso de consolo num rosto pousado sobre a mão esquerda, com uma colega ao lado a opinar sobre ordens de impressão e seguimentos que me aguardam que dê... e eu só respondo: mhum mhum ... o qual ela, que me conhece, bem sabe q significa: “agora não, não te estou a dár atenção isso pode esperar”... declaro que: (tirando esta frase - “Hoje, mamamos apenas do que nos deixam. “) em pleno do seu direito - Perfeito!
Deixas-me sem palavras e com lágrimas nos olhos. Desde que soube que o "senhor velhinho" morreu andava a pensar em ti e ontem à noite vim ao teu blog, estranhei a demora... Quando recebi o teu telefonema nem quis acreditar... Quando li as tuas palavras lembrei-me de tanta coisa... Morro de saudades tuas.
Bah, morres nada!
Disse ontem ao Gabriel que o Senhor Velhinho foi para as estrelas. E ele perguntou-me "Como o pai do Simba, pai"? E eu pensei... "bem, quando o exemplo deste jovem é precisamente uma animação que, entre muitas coisas más, tem a banda sonora do Phil Collins e, quando traduzida, a voz do Luís Represas, é porque FALHEI REDONDAMENTE"!!!!
Isto é a Carla... Isto é o Vasco Granja!
Saudades dos dois!
Abraço Diaz
Ah, sim sim!
Freaky
Agora, e sim vamos ao repto, isto de tornares esta homenagem numa "carta de amigo" explícita à Kaui, e ao estilo "Folhas Caídas", é que não me parece nada bem! Escárnio e maldizer é o que tenho para objectivar meu caro!!! E mais, com tanto detalhe, já imagino a miuda a destilar um odor a Heno do campo, pelos corredores "verdejantes" de ranholas! Digno de um sketch publicitário dos anos 80!Deuses!!!!! Tende tento e tino Mariachado. E pior aliciar miudas giras, aliás girissímas, com um: "Estou em casa a trabalhar, usando unicamente um singelo par de cuecame"!!!!... Ora... Não havia nechechidade!!!!! KONIEK!
Freaky
PS- E agora ao jeito msn, Kaui és linda!!!! Zez beijos gôdos e badouchos!
Diaz, tem modos: a Kaui é a miúda mais linda e fofinha do bairro - ela tem de ter bigode para todos nós, pá... lambão!!!
De rosto, dizer-te q gostei muito do texto e de ti, pá!
Beijos à Kaui, Miles (*****), Zezi e... Freaky Maria
Ó Freaky Maria... agora, por exemplo, estou em casa e tudo o que eram cuecas estão para lavar!
Bigode??? Pá! Mas pêlos nas pernas... isto de ter dois filhos dá cabo de um gajo. Já que estamos numa de beijinhos para uns e para outros sugiro é um jantar para os'seguidores' deste blog. Hum...hum...
O Diaz não entra nessas cenas de jantares de bloggers LOL
Isso significa que és um tipo lavadinho, excelente!
Freaky
Depende dos seguidores...
... convosco, até alugo o Salão Preto e Prata, com o Tiga a bombar SOM só pra nós!!!
associo-o sempre à voz da ana zanatti e à pantera cor de rosa.
ah e a bolas de berlim.
esteve preso dois anos, o PCP não o esqueceu.
tivesses sido atrevido, oras.
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