Entro, pelo hall onde uma armação de gamo do Gerês sustém, a custo, a samarra coçada do velho.
O cheiro a cânfora, infalível nos mosquitos mesmo que, aqui, não os haja.
A mesma sensação, todos os dias, de que esta não é a minha casa.
Vivo com o meu avô desde sempre.
Mas esta casa nunca deixou de ser, apenas, a dele.
Odeio a minha caneca de esmalte onde bebo, todas as manhãs, o Brasa com sopas de papo-seco de três dias.
Odeio o cheiro das capoeiras onde a criação espera pelo fim.
As galinhas a correr, sem cabeça, pelo quintal.
Os coelhos a guinchar ao primeiro murro na cabeça.
Odeio defecar na tampa de sanita com o perpétuo carimbo das gotas dele.
Às vezes penso que o sacana do velho tem um aspersor na glande, vários furinhos que adquirou na podridão de crica alheia, encanzanada à pressa depois de cada concerto de acordeão pelas aldeias vizinhas, sempre as mesmas musiquinhas com larachas de vernáculo popularucho, sempre as mesmas velhas de dorso curvado a custo, "oiço mais os bicos de papagaio a ranger que as cuecas a descer e a arrastar nos pêlos das pernas, aquele fffsssshhhh, tájavêr?", dizia-me, não raras vezes, por entre a chuva de perdigotos.
Penso nisto tudo enquanto encosto a bicicleta no corredor, mesmo por baixo do quadro com aquele Jesus que abre e fecha os olhos se nos dermos ao estúpido esforço de erguer e baixar a cabeça.
Nem uma moldura rasca, nada.
Passo pela sala.
O velho dorme no maple, como ele insiste em chamar-lhe, com a pornada em pause num frame onde um piço de proporções generosas se insinua para dentro de uma vulva que não consegue ficar implícita pelo molho de lábios interiores que a envolvem.
É uma imagem bem gráfica, filmada de trás, por ordem, um rabo peludo moreno, um olho do cu com pêlo, um par de tomates rapados, roxos, um vergalho, uma nassa, seca, cor-de-rosa, um olho do cu púrpura, um rabo branco, um tampo de mesa.
Coroando tudo isto, uma legenda, tremelona e trespassada por dois ou três riscos característicos do VHS, "Vou-te desentupir as tubagens".
Mastigo uma côdea que retiro do saco pendurado por trás da porta da cozinha, o bordado "pão", o mesmo de sempre.
Chove, lá fora.
Vou ao quintal, junto do poço onde o Piloto, o meu cão preferido, agonizou durante dias, lá no fundo, só porque cagara por baixo do limoeiro, tinha eu 8 anos.
Seguro a enxada.
Trago-a para dentro, tomando-lhe o peso.
Fixo ainda a TV.
Tem alguma beleza, esta imagem, sim.
Principalmente agora, com um naco de mioleira escorrendo devagar pelo ecrã.
Deixa um rasto de visco vermelho.
Espero que não pertença ao bolbo raquidiano.
Para que ele ainda sinta.
A dor.
A puta da dor.
8 comentários:
"Vou-te desentupir as tubagens". Muito bom! Dá um bom piropo "à la mecânico" ou "à la canalizador".
Olha aqui está o pq de nunca vires a escrever um romance.....
Sporting!!!!!!!!!
Sporting!!!!!!!!!
Cool ya!
Tóne
glup...
dás confiança a estes lagartos ressabiados e é aquilo que ganhas!!!
Ainda pensam como gente pequena!!!
Fónix...
...não há por aí Ratax?
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