quinta-feira, maio 29, 2008

Há, algures na Escócia...

...a mesma grandeza do Heima, o filme/documentário dos Sigur Rós. Falta-lhe apenas a música. Mas à Islândia falta o facto de nunca lá me ter tido.

Algures em Islay, a remota ilha quase juntinha à de Jura, 220 pessoas e 6000 cervos, onde o George Orwell se isolou para escrever o Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, mas bem afastada da Mainland, que não se vê no horizonte, ao contrário da Irlanda do Norte, sempre presente na moldura que segura, invariavelmente, um quadro de verde e mar, parámos junto a um castelo invadido por ovelhas, junto a uma praia que, ao contrário do que se poderia pensar, está sempre tão quieta de mar como os grandes lagos estão de águas e Nessies. Há um ou dois casais de cisnes passeando na mini-rebentação, envolvendo meia-dúzia de crias, os tais patinhos feios que depois se transformam. Uma bela metáfora, essa.
Outras também
o são
mas para aqui
chamadas não.
A próxima paragem seria dali a sete quilómetros, uma aldeola piscatória, como todas as outras aldeolas piscatórias escocesas, com uma linha de casas junto à amurada de terra, sempre pintadas de vermelho, cyan, púrpura, nunca verde ou azul porque isso já ali há que baste.

...disse ao motorista do minibus que ia a pé até ao destino.
Ele disse qualquer coisa que me fez ficar a saber o mesmo.
"Tudo bem" ou "não, isso é impossível" teria sido, para mim, a mesma coisa dita naquela pronúncia de glasgow, indecifrável.
Uma estreita estrada, ladeada de muros, uma risca cinza e preta rasgando aquele verde, campos e campos, prados e prados, carvalhos, rododendros, gralhas, melros, um silêncio tão grande que se ouve o ruminar dos rebanhos. Mergulha-se neste mundo como se estivéssemos em plena insónia sem um ponto onde possamos, no meio da escuridão, fixar o olhar. Cheira sempre a mar, erva cortada e terra molhada. Às vezes, no topo de uma colina, vêem-se, lá em baixo, nas praias onde ninguém vai, as focas nas rochas.
A certa altura, vislumbro, então, lá bem ao fundo, o destino, pintalgando com alguma cor. Tudo isto é uma bela partida da arte gráfica do Meio ao melhores designers do mundo. Deparando com isto, a Paula Rego só tem mesmo é de enfiar o dedo no próprio. Decido cortar caminho por um campo de cevada, tão alta como eu (metro e meio, vá), de onde levantam voo as grouses, menos famosas que a outra, cuidadoso eu para não enfiar o pé num ninho. Chego mesmo a tempo de apanhar o ferry.

De cada vez que vejo o Heima, a coisa fica mais grave. Falta música à Escócia. Será? Falto eu à Islândia? Faltam os Sigur Rós a muita gente? Sei lá. Nem quero saber. Por mim, façam como a Paula Rego.

A beleza é subjectiva.

Não a ver, porém, em lado nenhum, é um estado doentio.

Não a ver nos Sigur Rós é ser-se animal.

4 comentários:

1entre1000's disse...

ora bom para aplaudir a beleza deste post e subscrever as 3 ultimas frases basta comentar? se sim, ja posso sair daqui com a sensação de missão cumprida!

El Mariachi disse...

Pim!

Espalha Brasas disse...

Estou a rever o Heima. Sinto o mesmo arrepio pelo corpo e o choro contido da primeira vez. O que eu sinto é a leveza de espírito, uma invasão de sentimentos bons, parece que a aquela água tão cristalina me limpa o corpo e a alma. Quem não sabe ouvir aquela voz, não sabe ouvir mais nada. Sequer sentir alguma coisa de bom Pelo menos, naqueles minutos eu sinto-me uma melhor pessoa.

(Este comment foi um bocado lamechas, a roçar o foleiro, não foi?)

El Mariachi disse...

faltou-te um bocadinho assim...