Toca-me aqui em baixo, vou ensinar-te como se faz, gemeu Estela. Um sussurro lânguido e demorado. Hermígio, puto loiro de longas pestanas e bíceps de dar ais às mais certinhas, abriu muito os olhos. Não se sabe se de surpresa, pânico, horror ou da dor que lhe encheu o peito, irradiou para o braço direito e, finalmente, o levou consigo. Sabe-se apenas que essa é a última recordação da mulher que o sentiu cair, inanimado, entre os seus seios morenos. Foi, durante muitos anos, o tema de conversa na aldeia. A viuvinha que chorava o leite derramado sobre si e não a morte do marido, ironizava o povinho. Nos cafés. Ao postigo. Nos bancos de jardim por baixo da frondosa tília. Só quando se descobriu que o Padre Honorato ensinava aos catequistas um pouco mais do que devia é que Estela voltou a sair à rua. O espanto estampado no rosto de quase todos os habitantes de Venda dos Pretos. Antão Abranches, o merceeiro, não conseguiu segurar o maxilar inferior, que pendia. Bráulio Barrocas, guarda-livros introvertido, levantou os óculos de ver ao perto para poder ver ao longe. Énio Esparteiro, o barbeiro, deixou fugir o rafeiro que levava a passear àquela hora e até Fabrício Falcão, o louco que dormia no pombal da Quinta do Mal Lavado exclamou Foda-se, coçando as vergonhas. Podia tudo isto até ser do clap clap clap ritmado dos saltos na calçada macadamizada. Não. Estela estava, pela primeira vez, de luto.
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