sexta-feira, julho 23, 2010

A Crónica Que o dIAZ gostaria de Escrever

Lembro-me ter lido "O Provincianismo Português" do Pessoa com os olhos quase a saltar das órbitas. A tensão no nervo óptico, o ligeiro tremor da córnea, forçando as pálpebras, o temor de alguém poder dar-me, naquele momento, uma palmada amigável na nuca e eu ver ambos os exemplares a saltar espasmodicamente em cima da secretária, com o mesmo aspecto daqueles que ficam no prato depois de comida a meia-cabeça de borrego, sempre com um branco mijão, geladinho, numa tasca qualquer do Baixo Alentejo. 
Aquilo é uma mini-Bíblia, um compêndio de saber, um Manifesto Anti-D'Antas que por aí grassam, uma declaração de amor explícita a um Portugal que definha de estrangeirados. Para que Portugal acorde e não reconheça como suas as nódoas negras que traz nas canelas. Demarca, mesmo, o Portugal Real, aquele que traz as mãos sujas de labor digno, prenhe de sabedoria popular antiquíssima, do fedelho que quer ser grande, ignorando que o poderia ser por vias e razões mais nobres. 
Declara ali Pessoa, o Grande, que ser-se Provinciano é pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela - em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz. E porque, enfim, é o Pessoa, apressa-se a, sem quaisquer delongas, explicar... que isso de ser-se Provinciano, compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de ironia.
Dessas três, agridem-me especialmente as duas primeiras, por serem tão comuns e facilmente detectáveis numa qualquer conversa com um alguém qualquer. Desde que seja português, claro! E isso faz com que tenha sempre (mesmo que por vezes desejasse que não) presente este pequeno ensaio antropológico pessoano. Que me assolou, mais uma vez, o mês passado, numa viagem pela Costa Brava. 
Em primeiro lugar, porque não consegui, de forma alguma, perceber o fascínio por Barcelona. Não o fascínio em si, que assumo ser possível, embora apenas na estrita medida em que todo o lugar do mundo exerce, à sua maneira, fascínio. Falo das declarações que começam, geralmente, por Barça é mais... ou é melhor que... Não! Barça é uma cidade enorme e multicultural. Logo, a oferta pauta-se por aí. Ponto. Dizer que Barcelona é mais que, por exemplo, Lisboa, é não conhecer, em absoluto, a Capital Portuguesa. O que, geralmente, é acusação que assenta na perfeição... aos lisboetas, esses provincianos. Que ignoram, por exemplo, uma prática e funcional rede de transportes públicos, quando vão do Rato às Amoreiras... de carro! Que se embasbacam, em Barcelona, com a La Pedrera ou a Batló de Gaudí e são incapazes de apontar um só projecto do Cassiano Branco na nossa capital. Ou um mural/tapeçaria do Mestre Almada. E os exemplos serão tantos (das lojas de novos criadores às esplanadas bem decoradas, dos bares cool e hip às galerias de arte) que o blogger.com não chegaria para mim.
A coisa apresentou-se-me como sendo o fascínio lisboeta por Barcelona uma prova maior do Provincianismo Português (na medida em que Paris, por exemplo, é, hoje, depois da vaga de emigração que nos fez a todos um pouco parisienses, amada por nós pelas razões correctas, precisamente porque tomámos parte do desenvolvimento superior dela, Linda de Suza NÃO inclusa), principalmente, quando saí de Barça, em direcção ao norte. 
Porque o El Bulli, supostamente o Melhor Restaurante do Mundo, é apregoado aos Sete Ventos Que Lêem a Imprensa Portuguesa como sendo em Barcelona. Eis se não que o dIAZ, para provar uma das tais iguarias que valeram AO SÍTIO Três Estrelas Michelin e Um Ano e Tal de Espera Por Mesa, é obrigado a deslocar-se a Roses, 153km a norte de Barcelona, em direcção a Portlligat, a aldeola onde Dalí fez 75% do seu trabalho, para perceber o celeuma em torno daquele lugar. E chega, tal como Fernando Pessoa, a conclusões, mas apenas duas, por causa do minimalismo:
1. Quem anda a dizer que o El Bulli é em Barcelona, não está a contar beber, sequer, um copinho de Chardonnay, sendo que depois pode apanhar com 342 MIL OPERAÇÕES STOP no regresso à capital da Catalunha. 
2. Quem se desloca a tão longe para comer umas Alitas de pollo tandoori con germinado de borraja, crema de ostra y mató aéreo, nunca comeu uma Posta de bacalhau como-deve-de-ser com grão à séria, meia cebola picada com salsa da mamã e, por cima, um fio de azeite que a UE e as ASAEs desta vida nem sonham ser possível!




1 comentário:

1entre1000's disse...

chegue-lhes senhor das letras chegue-lhes!!!!