Pergunte-se a alguém que animais existem em África e a resposta aponta, quase invariavelmente, para os BIG 5, assim chamados desde que o safari tinha como objectivo a mui colonialista caça de troféus e que se destina a enumerar os cinco animais mais perigosos de caçar on foot: leão, leopardo, elefante, rinoceronte negro e búfalo do cabo.
É natural. Mesmo os mais interessados, não têm hipótese de conhecer outros. BBC Vida Selvagem, Odisseia, National Geographic e por aí adiante destinam 75% da sua produção de documentários a imagens de leões e elefantes, 15% às de chipanzés e gorilas, 5% para corridas de chitas e os restantes 5% vão para accidental footage de suricatas, mabecos, facoqueros, hienas, abutres a descarnar carcaças e crocodilos à espera que os gnús se decidam a atravessar o rio. Por muito apaixonado que seja o telespectador, é um enjoo.
Para se ter uma pequena noção da massificação do fenómeno, aqueles que são admirados por cá como Grandes Fotógrafos ou Cameramen da National Geographic ou outra qualquer são, no Quénia, alvo de chacota. Já nem pergunto. Sei o que todos querem. E querem sempre o mesmo. Straight as an arrow. Grandes objectivas? Chitas em perseguição da presa. Japoneses? Girafas. Franceses? Pássaros. Ingleses? É deixá-los darem-nos ordens e ofenderem-nos, saudosistas de quando o Quénia era deles e tínhamos de tirar o chapéu à sua passagem. Era isso ou a chibata do cavalo. Isto era o Evans e uma das muitas certezas absolutas que debitou ao longo de quase um mês e quatro mil quilómetros de estradas (ou similares) quenianas numa Nissan Hiace, Nairobi a Samburo, Masai Mara ao Mount Kenya, Nakuru a Mombassa. Também eu de máquina em punho (Leica R4 “vestida” para África = fita preta a tapar as letras), mas de espírito sossegado aos primeiros dias: Português? Nunca conheci nenhum. Mas tu és estranho. In a good way. Pois claro. Ai moras no Kibera, o maior slum do mundo? Então ‘bora lá ver isso! Pim! Mr. dIAZ, this is no place for you, I’m just going to guet a new battery for the van and off we go. Ai não que não é pra mim pá, e ainda vai uma cervejinha Tusker, uns maços de tabaco Crown Bird prá viagem e a mais estranha embalagem de Colgate que já vi. Estranho, eu? Não, Evans. Estranho é não fazer por levar daqui histórias.
Trouxe.
E, no outro dia, revi os três cadernos que por lá enchi e deparei-me, entre bilhetes de entrada na discoteca Pembo, folhas de acácias secas, três escamas de black mamba e penas de flamingos do Lago Nakuru, duas breves notas (tal e qual as transcrevo) que, só agora percebo, faziam de mim o tal strange but in a good way. Saudades, Evans, mesmo. De quando me dizias Last wedding I attended, I ate a goat. Whole. Except the bones e eu pensava ah eu é que sou estranho?
DIK DIK - The Love Goat
É a mais pequena gazela do mundo. Do tamanho de um coelho adulto. O mais madrugador dos animais na savana. Víamos sempre um destes espécimens antes de qualquer outro, ainda que nunca se afastem (ambos, porque o casal é inseparável) da segurança oferecida pelos arbustos, que os escondem (relativamente) de predadores alados. Os samburus, no norte do território, usam a expressão fiel como um Dik Dik. Porque, quando um dos membros do casal sucumbe às garras de um predador, o outro “comete suicídio”, colocando-se num espaço aberto, à mercê das aves de rapina.
HONEY-GUIDE BIRD - The Hate Motherfucker
Do tamanho de um pardal, é o espertalhão do bairro. Come de tudo, mas tem especial predilecção por mel e larvas de abelhas. Para obtê-las, a evolução dotou-o de uma enzima que possibilita a digestão da cera dos favos. Há apenas um problema... como obter o petisco? Sozinho? Impossível. Eis que surge, assim, a genialidade animal: lampeiro e emproado, solta um canto completamente diferente do habitual. É o sinal para os humanos de que encontrou a colmeia. Aí vai ele, comunicando canoramente e certificando-se, sempre, de que está a ser seguido. Ao derrubar a colmeia, o africano sabe, provavelmente há muitos séculos, que deve deixar uma parte do espólio para o aliado. Os colonizadores não o sabiam. E não foi uma nem duas vezes que, como vingança por não ter havido recompensa da primeira vez, o alado cabrão assumiu o mesmo comportamento, mas para deixá-los bem no meio de um grupo de leões!
11 comentários:
hã?
sou "chicronha" e o meu animal preferido é o kiwi....
caçador branco, coração negro?
Bem, este dei-me ao trabalho de verificar com exactidão o número de caracteres (incluindo espaços) 4298. Agora das duas, uma: ou tu tens demasiado tempo livre nas mãos ou achas que os outros não têm mais nada para fazer ;-)
E tudo isto para dizer que conheces mais duas espécies em África que os tipos da National Geographic?
Ou que trazes mais lixo para casa que eles, pq ao contrário de ti eles vão lá mais vezes?
"Porque, quando um dos membros do casal sucumbe às garras de um predador, o outro “comete suicídio”, colocando-se num espaço aberto, à mercê das aves de rapina" - sempre fiquei fascinado por esta característica do Dik Dik (lembro-me de qd contaste isto há uns qts anos)!
Abraço e... já agora, não podia terminar sem esta: "In fashion, one day you’re in and the next you’re out..."
Ó Zorze...
... eu in nunca estive, porquanto aceito o meu out de há décadas!
Por minha vez, não podia deixar de largar esta que te assenta como um peúgo de dedos:
"Come OUT come OUT of the closet wherever you aaaaaaaare"!!!
Neste momento, estou a escrever, infinitamente, REDRUM numa máquina de escrever e, se não bebes uma jola esta semana, vais ser obrigado a fugir pó labirinto!
Lolada, alguma vez te deixei mal ó grandioso e mui respeitado amigo palhaçolas!!! Ah, ah, ah, já tou a ouvir o novo EP dos Beirut e tu não - incha, porco! :)
Ah pois não!
Tive de ser eu a dizer-te que o No Dice era uma versão techno do Sunday Smile!!!
Não chegavas lá!
Ya-ya-ya...
UAU!
onde assino para requisitar mais posts destes, associados à minha etiqueta?!?!?!!?!?!?
Adoro!
Atenção,
já usaste esta foto.
lidia
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