terça-feira, dezembro 09, 2008

Anacoretismo VS Eremitagem

O anacoreta Gaspar era-o sem que às razões para sê-lo roçagasse, ainda que de forma ligeira, qualquer religiosidade.
O anacoreta Gaspar recolhera-se ao silêncio da Montanha sem que nisso houvesse qualquer poesia. Só muito depois aprendeu a amar o que rodeava, baptizando cada agulha de pinheiro e reconhecendo-as, pelos nomes, quando, já no chão, eram caruma, pequenos defuntos que dão vida a quem esteja por baixo.
O anacoreta Gaspar desitira, por isso mesmo, da Humanidade. Porque na Ordem dos Homens, é quem está abaixo que dá vida aos cimeiros. Vampirismo. Um Planeta feito Transilvânia. Uma montanha de despojos humanos feitos Montes Cárpatos de fealdade.
O eremita Valério descobrira adjectivos atribuídos aos homens que só faziam sentido ali. Uma Montanha mais Humana. Um cume que chama a si nuvens, colhe-lhes as águas e distribui-as, de forma Altruista, encosta abaixo. Cedros e araucárias e pinheiros e carvalhos que protegem, à sua sombra, um mundo mais Ordeiro, que nunca poderia ser, pois, Imundo, a não ser que a Humanidade o enodasse com suas mãos maculadoras.
O anacoreta Gaspar tornara-se, aos olhos de quem vive em sociedade, um bicho. E de entre todas as incapacidades em sociabilizar um sintoma havia que, pela sua singularidade, era do desconhecimento do prórpio:
O anacoreta Gaspar esquecera-se de outras vocalizações que não a sua. Não concebia, por tê-las apagado, de forma indelével, da memória, outro tom, timbre, nota e ritmo de voz que não o seu próprio.
O anacoreta Gaspar reconhecia, pelo canoro linguarejar, e de entre tantos exemplares que lhe acompanhavam os lentos dias, cinco melros, três rabiruivos, seis rolas marroquinas e os dois bufos reais que disputavam os seus territórios, a quem chamava Lucas e Mateus. De um Humano, nunca. Recordava, nas pontas dos dedos, a textura da pele branca e da forma como esta quase se confundia com o rosa pálido dos auréolos do seu Grande Amor da Vida, se alguma vez o houve. À sua voz, suave, fina, translúcida, há muito que a perdera, num sussurro.
O anacoreta Gaspar ouvia-se, assim, como a um Deus de si próprio. As poucas vezes que vocalizara ideias, fora como se estas não tivessem vindo de si, mas como que surgissem, a adejar, ziquezagueando por entre raios de luz descendendo das copas. Tornaram-se, por ausência de intercalação, máximas. Leis.
E era por isso que o anacoreta Gaspar nunca seria um eremita.
O seu maior defeito era ser, pois, humano.

O eremita Valério era-o sem que às razões para sê-lo roçagasse, ainda que de forma ligeira, qualquer religiosidade.
O eremita Valério recolhera-se ao silêncio da Montanha sem que nisso houvesse qualquer poesia. Só muito depois aprendeu a amar o que rodeava, baptizando cada agulha de pinheiro e reconhecendo-as, pelos nomes, quando, já no chão, eram caruma, pequenos defuntos que dão vida a quem esteja por baixo.
O eremita Valério desitira, por isso mesmo, da Humanidade. Porque na Ordem dos Homens, é quem está abaixo que dá vida aos cimeiros. Vampirismo. Um Planeta feito Transilvânia. Uma montanha de despojos humanos feitos Montes Cárpatos de fealdade.
O eremita Valério descobrira adjectivos atribuídos aos homens que só faziam sentido ali. Uma Montanha mais Humana. Um cume que chama a si nuvens, colhe-lhes as águas e distribui-as, de forma Altruista, encosta abaixo. Cedros e araucárias e pinheiros e carvalhos que protegem, à sua sombra, um mundo mais Ordeiro, que nunca poderia ser, pois, Imundo, a não ser que a Humanidade o enodasse com suas mãos maculadoras.
O eremita Valério tornara-se, aos olhos de quem vive em sociedade, um bicho. E de entre todas as incapacidades em sociabilizar um sintoma havia que, pela sua singularidade, era do desconhecimento do prórpio:
O eremita Valério esquecera-se de outras vocalizações que não a sua. Não concebia, por tê-las apagado, de forma indelével, da memória, outro tom, timbre, nota e ritmo de voz que não o seu próprio.
O eremita Valério reconhecia, pelo canoro linguarejar, e de entre tantos exemplares que lhe acompanhavam os lentos dias, cinco melros, três rabiruivos, seis rolas marroquinas e os dois bufos reais que disputavam os seus territórios, a quem chamava Lucas e Mateus. De um Humano, nunca. Recordava, nas pontas dos dedos, a textura da pele branca e da forma como esta quase se confundia com o rosa pálido dos auréolos do seu Grande Amor da Vida, se alguma vez o houve. À sua voz, suave, fina, translúcida, há muito que a perdera, num sussurro.
O eremita Valério ouvia-se, assim, como a um Deus de si próprio. As poucas vezes que vocalizara ideias, fora como se estas não tivessem vindo de si, mas como que surgissem, a adejar, ziquezagueando por entre raios de luz descendendo das copas. Tornaram-se, por ausência de intercalação, máximas. Leis.
E era por isso que o anacoreta Gaspar nunca seria um anacoreta.
O seu maior defeito era ser, pois, humano.

Um dia, o eremita Valério e o anacoreta Gaspar encontraram-se, em busca de viçosos espargos verdes, selvagens, dos que nascem por baixo do tojo. Esta floresta é minha / não não, esta encosta pertence-me, eis que surge, entre dois seres que se queriam eremita um, anacoreta o outro, o pior do Mundo.
A imundície de se ser humano...

7 comentários:

Anónimo disse...

«... o gráfico de uma vida humana, que se não compõe, digam o que disserem, de uma horizontal e duas perpendiculares, mas sim de três linhas sinuosas, prolongadas no infinito, incessantemente aproximadas e divergindo sem cessar: o que o homem julgou ser, o que ele quis ser e o que ele foi.»

"Memórias de Adriano" de Marguerite Yourcenar


parabéns pelo post.

Anónimo disse...

MEIRELES!!!!!!!!!!!!
Freaky

Master Of The Wind disse...

Devo-te dizer que ainda tentei Diaz, mas o cansaço venceu-me. Consegues resumir? É que cheguei a meio já de braços pendentes e queixo no teclado a tentar acompanhar as extensas linhas. Sê companheiro. Vá lá, não custa nada.

Zorze Zorzinelis disse...

Uau, muito, muito, muito, bom, caro Diazzzz...para fazer companhia à Rosa em citações, lembrei-me desta:

"Tornámo-nos civilizados demais para compreender o que é óbvio"

(George Orwell)

1entre1000's disse...

bolas...
permita-me senhor das letras colocar uma banda sonora ao seu post: o já antiguito "Beautiful" dos Belle & Sebastian, assenta-lhe que nem uma luva, digo eu...

Zorze Zorzinelis disse...

Ui, acho que o dias passa-se com Belle & Sebastian...

El Mariachi disse...

Step Into My Office, Baby...