Alfredo Saramago morreu em Maio passado, aos 70.
"Ah, tão novo", "pudera, era gordo", ouviu-se em algumas mesas de café, pelo menos naqueles onde os clientes sabem quem era Alfredo Saramago, o que não é de estranhar quando em qualquer café português se sabe, sempre, e com um conhecimento de causa de arrepiar a espinal medula, quais os culpados dos conflitos no Cáucaso (aquilo é gente má rês), Iraque (é tudo terroristas, é o que é, chumbo neles), Afeganistão (os árabes deviam era ser todos mortos) e Sudão (bah, volta-e-meia os macacos matam-se todos à catanada).
Em relação a isto, tenho para mim que, por um lado, um gastrónomo não pode ser magro, a não ser que vomite, de seguida, tudo o que prove. Que eu saiba, porém, a única coisa que ligava o antropólogo em questão a costumes romanos como o uso de vomitoriums em bronze aquando dos festejos em honra de Baco, era o profundo conhecimento (a partir de livros e documentos) em relação aos mesmos.
Por outro lado, não me parece que o jovem estivesse preocupado com a sua aparência por forma a conseguir a felicidade que, há que dizê-lo, passa muito por degustações com amigos, mas na estrita condição de não se estar a pensar no exercício que depois se terá de levar a cabo no ginásio nos dias seguintes. Sofrimento por sofrimento, há sempre a clássica descarga de 220v no saco escrotal.
A favor disto também pesará o incontornável facto de haver pessoas com 25 anos (ainda por cima, magras), que também morrem.
Saramago não partiu sem aviso. A meu ver foi, até, muito directo no seu brado.
Quando um dos principais especialistas em História e Antropologia das tradições gastronómicas portuguesas intitula um livro de Cozinha de Lisboa e Seu Termo, a coisa deveria preocupar alguns. NADA! E porquê? Simples. Lisboa não tem lisboetas, com algumas excepções para além das Avenidas Novas, que só são Lisboa desde o Séc. XIX. Antes disso eram tipo o Senhor Roubado de hoje. O metro vai até lá mas... enfim.
A Baixa está deserta e a capital bairrista foi invadida por suburbanos que vomitam com o cheiro de petinga frita mas regozijam com sushi de 3 dias. Para além disso, descriminam e ostracizam os REAIS LISBOETAS que teimam em não deixar os seus postigos de rés-do-chão, os autênticos, que choram com fado, que fazem as suas crias de um ano sócias do Benfica, que coçam a tomatada enquanto cospem para o chão, que comem Sopas a Ovos, que sabem que a Amália "vendia limões" na Rocha Conde de Óbidos em novinha, que ainda se lembram do avô falar do Brás, o velho do Bairro Alto que um dia, cheio de fome e vendo-se apenas com bacalhau, azeite, cebolas, batatas e ovos na despensa, decidiu lançar mãos à frigideira.
Os turistas originaram a padronização dos menús lisboetas. Os lisboetas da água-furtada mobilada com IKEA (e não os do cão de porcelana em cima do frigorífico e do calendário de N.ª Sr.ª de Fátima na porta da cozinha) ajudaram ao seu perpetuar. Batatas fritas congeladas, bife de 2.ª com ovo a cavalo, açorda de marisco Pescanova e salmão de viveiro são os Reis e Senhores das folhas A4 em WordArt que quase nos esfregam na cara às Portas de St.º Antão.
Assim, a despreocupação em relação ao facto de Lisboa há muito ter visto um TERMO na sua gastronomia tradicional... é natural.
Mas é, também, de um provincianismo atroz!
3 comentários:
Se me é permitido deixar aqui a minha opinião, humilde e de quem gosta de cozinhar e inventar umas coisas... Eu cá acabava com os refogados com alho e cebola, com os bifes de cebolada, com os bitoques barrados em alho e tudo o resto que leve alho e cebola!
Desconfio que o comentário removito pelo autor acima continha um feio comentário em relação à avaria das tuas papilas gustativas!
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