Na Vivenda Maria da Ressureição não vivia ninguém.
A tinta, rosa vivo noutros anos, caía agora das fachadas, em enormes escamas, revelando o adobe.
Alguns buracos, também.
O telhado, convexo de abeirar à ruína, deixara grandes espaços entre as telhas, onde pardais festivos chilreavam em ardor reprodutivo, ignorando as corujas das torres que, nas grandes vigas do sótão, partilhavam o seu espaço.
Alguém pregara, há tempos, tábuas nas janelas, incomodados com o cheiro que de dentro escapava, assumindo a forma de fogo fátuo nas noites de mais calor, muitas por aqui.
Lá dentro, Maria da Ressureição era uma pútrida massa disforme, que parecia viva de tanto verme que, por si acima e de si afora, continuavam o seu primordial papel na Natureza.
Deitada no sofá, que era agora, todo ele, uma mancha castanha e fétida, respingando o chão de tijoleira como papel manteiga sob peixe frito, pendia-lhe um chinelo do pé esquerdo, o cabelo imaculado num coque perfeito, alvo como mais nada naquela sala.
Talvez a toalha da mesa, com um bordado de Viana, servindo de base a uma pequena jarra de vidro que albergava cravos secos, quase irreconhecíveis...
Um dia, alguém lhe dissera Maria, deixa de te armar em dEUS.
Ressureição, nunca a viu!
1 comentário:
Eh lá, pensava q as férias te tinham feito bem, mas pelo vistos vens ainda mais douto e roto, ó paneleiro! Muito bom texto, muito bom, mesmo!
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