Das inúmeras vezes que fui a Paris (duas), apaixonei-me.
Não pelos monumentos, Bairro Latino, Barcos-Mosca ou Nossa Senhora, mas sim por ser uma das poucas capitais europeias que ainda guarda um quotidiano aparte e perfeitamente identificável.
Em Londres, Madrid, Berlim ou Roma, as pessoas vão para o trabalho de metro, autocarro, eléctrico, carro/trabalham/almoçam/trabalham/bebem um copo/regressam a casa de metro, autocarro, eléctrico, carro/ponto.
Em Paris, para além das pessoas que vão para o trabalho de metro, autocarro, eléctrico, carro/trabalham/almoçam/trabalham/bebem um copo/regressam a casa de metro, autocarro, eléctrico, carro/ponto, na sua larga maioria árabes, persas e pretos, há toda uma gente que leva uma vida parisiense. E isto passa por beber, demoradamente, um café numa esplanada enquanto se passa os olhos pelo Le Figaro, quando não é logo um Armagnac, ir ao mercado com um objectivo muito franciú que é confeccionar comida com ingredientes frescos, principalmente quando o prato mete des endives e coisas assim, depois uma petite conversa à esquina, cada interlocutor com o seu piquenois pela trela, mais uma passagem pela patisserie e, claro, fazer o resto do caminho até casa com o cacete, le pain, debaixo do braço, que às vezes vai no cesto à frente da bicicleta, dependendo da faixa etária do personagem.
O tuga da cidade (e, de uma vez por todas, o suburbano também conta, E COMO), vai para o trabalho de carro/ponto. Regressa a casa de carro/ponto. Entretanto, provocou um engarrafamento por não usar os Transportes Públicos mas exclama sempre, ao telemóvel: "isto está o caos", enquanto pensa "mas é por causa dos outros". De caminho, estaciona em segunda fila para passar pelo supermercado e comprar qualquer coisa embalada, previamente cozinhada e ultracongelada. A salada já está cortada, lavada e tem rúcula pké féshión. Produtos frescos e por amanhar? "Meu dEUS, logo hoje que comprei um creme de mãos da Loreal para envergonhar a Zélia da repartição que ainda usa Neutrógena? Ela que não pense que lá por ter a Bimby que é melhor que eu"!
Tudo isto poderia ter sido resumido e expremido a este pequeno ponto:
Somos o que comemos e o respeito que lhe temos.
E a diferença está no alimento mais primordial, o pão.
É a tal diferença entre o Homem da Cidade e o Outro.
Em Paris, como em toda a França, o pão é sagrado.
Em Portugal também.
Excepto em Lisboa.
O lisboeta é uma hiena, um abutre, um necrófago do pão.
Caso contrário, não lhe chamava uma carcaça que é, ao que sei, o que comem os abutres e as hienas!
E esta gente anda a comer TANTA MERDA que resta-me um aviso: A paciência para o ginásio não vai durar sempre!
6 comentários:
Nada como o belo do pão de Mafra que eu vou buscar quase todos os dias à padaria da esquina. Quentinho e já fatiado!!!
Pois e o português é bem melhor que o francês - assim como os vinhos (os queijos já não asseguro!). Mas mais do que o pão, achei deliciosa essa tua visão (por momentos, e por amar aquela cidade, estive quase a filiar-me em tamanho romantismo - embora parte dele não seja já verdade, diga-se!); mas deves estar a falar de Paris centro-centro-centro; eu quando fiquei meio mês nos subúrbios da cidade, vi toda a gente a ir de carro para o trabalho e a provocar engarrafamentos (trabalho-casa, como nós em Portugal); a única cena que te esqueces é que Paris tem 10 milhões de habitantes e uma área geográfica incomparável a Lisboa. Em Portugal, andas meio passo para a esquerda e já estás na Amadora ou na Sobreda. Além disso, lembra-te que a Madeleine nem figura no croqui turístico de Paris. Lembremo-nos que a igreja de Madeleine é capaz de ser maior que o Mosteiro dos Jerónimos. Não te esqueças ainda do apreço que os franceses têm pela sua cidade e pela liberdade, pelos seus produtos (ao contrário de Portugal, o conteito piroso
não existe em França). Vejo-te falar de um Portugal que aproveitou ou sugou as culturas do mundo (isto soou um pouco a Da Vinci), mas na capital, tirando as tascas, o fado e meia dúzia de merdas castiças, não creio que se tenha estabelido uma relação de grande paixão entre as pessoas e a cidade como os franceses estabeleceram com Paris, a Cidade Luz.
Os Novos Lisboetas - jovens novos ricos - estabeleceram uma relação wannabe com a sua cidade (perdão, com a cidade dos outros). Desalojaram os lisboetas e fizeram um enorme esforço por tornar Lisboa uma pequena Paris, Londres ou Madrid!!!
Não sabem, fazem a mínima ideia e nunca saberão o que Lisboa é. Arribaram aqui, para a universidade, e foram ficando. Acham piroso os canários à janela, ficam fulos com o facto de não haver estacionamento, porque ficam muito longe para carregar com o mobiliário do IKEA, não sabem o que é fado vadio e nunca apanharam o elevador da Bica.
Conseguiram, inclusivamente, matar o Bairro Alto, que depois de ter sobrevivido às migrações para as Docas e Expo, vai agora ser obrigado a encerrar às 2am, por causa do barulho!
Enfim, chegámos novamente à áurea época de Salazar, quando não se podia chocar a burguesia urbana!
Quem ama Lisboa, mora nos Arrabaldes!
Pim!
Brilhante, caralho! Brilhante!
Não sei se sabes, o "Pim" é do Manifesto Anti-Dantas, do Mestre Almada, esse sim, brilhante... Ofuscantemente brilhante!
Morra o Dantas, Morra!
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