quarta-feira, outubro 28, 2009

Downward Spiral

Descem ambos as pequenas escadas que levam ao piso inferior do comboio. Perscruta ele, olhos azuis de brilho ensonado, eventuais lugares que lhes permitam ficar juntos. Espera ela, olhos azuis sem qualquer brilho ou emoção, que ele os encontre. Sim. Estão diante de mim. Vazios. Detecta-os ele, segue-o ela, vazios ambos. Dá-lhe ele passagem para o lugar à janela, senta-se no outro e, de um dos dois sacos que coloca aos pés, retira duas caixas de plástico verde, estilo Tupperware (se não mesmo). Estende uma à companheira. E este gesto é, como todos até agora e a partir daqui, tão mecanizado que as palavras não existem e os olhares não se cruzam. Abrem, ambos, o recipiente, e retiram, numa coreografia robótica, arrepiantemente desprovida de emoção, como se a partilha nunca o fora, a sandes mista de pão estilo Bimbo-sem-côdea, que comem sem qualquer paixão, tudo isto é apenas mastigar um determinado número de vezes, engolir de seguida, como quem recolhe a agulheta de Sem Chumbo 95 e atesta o utilitário escolhido em função das dimensões e subsequente facilidade em estacionar mais próximo da repartição. Ele acaba primeiro. Deposita a caixa num dos sacos. Ela acaba depois, mas já ele estica a mão, ciborgue revestido a pele orgânica que continua a contemplar o vazio, algures em frente, mas sabe em que preciso momento deve recolher o recipiente do ser biónico ao lado e deixá-lo no tal saco. Não suspiram, não se recostam, agora que o alimento deveria conceder algum conforto, não se movem um milímetro. Olham ambos em frente, o diminuto horizonte da carruagem feita paisagem de qualquer coisa, mas dão, agora, as mãos. A distância que se sente, porém, não atenua. O frio contacto de duas extremidades de membro onde corre um sangue que é o de cada um não aquece... nem arrefece... não nada... e tudo o que estes foram um dia, ou poderão ter sido, não se adivinha agora. A vida das gentes é, sinto eu, cada vez mais uma gélida estepe onde um, apenas um, solitário arbusto espera que lhe colham fruto. Mas o eterno inverno adia, sequer, que a flor descerre.

4 comentários:

rosa disse...

Mas o eterno inverno adia, sequer, que a flor descerre.


:)

1entre1000's disse...

por um feliz acaso li este post a ouvir "Viagem a Goa" do Rodrigo que dualidade e simbiose PERFEITA! muito bom o post, EXPERIMENTEM com esta banda sonora - DIVINAL!!!!

Anónimo disse...

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Anónimo disse...

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