Numa qualquer noite quente de um mês qualquer de 1996...
... o Captain Kirk está, como sempre, ao rubro. Como é que tanta gente ali cabia sem que se acotovelasse, a não ser que por carícia, é mistério por resolver. Nesta véspera do meu primeiro concerto dos dEUS na Aula Magna, e num mar de seres estranhos que ondulava ao som de trip hop em consecutivas vagas de contemporaneidade feita Londres e Berlim numa Lisboa que agonizava, em saloíce, nas Docas e na 24 de Julho estavam, porém, duas personagens que pareciam, superficialmente analisado o conjunto indumentária/penteados, personagens retirados, de fresco, de um álbum de Enki Bilal. E foi só cá fora, já a caminho de um Kremlin que fechava mais tarde e em suficiente loucura para podermos acabar a noite com a devida sensação de dever cumprido, que nos lembrámos, entrando na Nissan Vanette estacionada (nesse tempo ainda era possível), em pleno Largo da Misericórdia, Cauteleiro atento a eventuais interessados na perpétua carga do veículo, entre pranchas e fatos, camisolas e calções cobertos com toalhas de praia que intentavam, sem qualquer sucesso para os mais (ou menos) observadores, omitir tanto material que faria uma manhã de razoável lucro na Feira da Ladra, que alguém se lembra que tanta excentricidade poderia, enfim, indiciar que estávamos perante THEMSELF, até porque a formação de então era ainda uma incógnita, sendo a (infeliz) saída de Stef Kamil Carlens a única certeza absoluta. É, pois, pela janela do pendura (a minha), que vejo os tipos passar, num misto de desorientação de turista e entorpecimento por via de substâncias que, no Captain, apareciam, como que por magia, e não raras vezes, sobre o balcão, com a implícita indicação Com os cumprimentos da casa. Inversão de marcha, sentido descendente e, junto do passeio, o dIAZ pergunta Hey guys, aren’t you playing tomorrow?... dEUS, right? e o então baixista, que cerca de dois anos mais tarde diria adeus à banda para dar início, com a (belíssima) namorada, ao projecto Vive La Fête, respondeu Yeaaaaah... you guys have coke?, e eu Hé pá não, mas podemos fumar ervinha que apareceu em mangas de pipoca lá para os lados da Fonte da Telha até o efeito ser minimamente parecido e eis que a porta desliza, entram de rompante e acompanham-nos em tépida cavaqueira, porque Só queriam beber um copo e conversar e já chega de música para dançar e corpos a suar, dito num francês macacóide que calculo se fale lá para Antuérpia. Não me lembro muito do resto, pelo menos até chegar ao Porão de Santos, já noite avante, sítio onde não entraria a não ser por razões fortes ou um grave estado go with the flow. Suponho que tenha sido isso que aconteceu. Lembro-me que o Carlos estava num dos seus costumeiros estados Chato-Cumá-Putassa e o Fontinha no estado Nem-Sequer-Tenho-Bilhete-Para–Ir-Ver-O-Concerto-Amanhã-Mas–Estou-A-Curtir-Que-Nem-Um-Doido-Com-Estes-Novos-Amigos-Que-Fiz. Por sorte, estava, simultaneamente, e como de costume, no estado Estou-Cheio-De-Dinheiro-E-Só-Paro-Quando-Não-Tiver-E-O-Multibanco-Mais-Próximo-Também, o que deu imenso jeito quando o percursionista, de cujo nome não me lembro, mas tinha assim um ar que ficava ali entre o Extraterrestre, o Alienado e o Completamente Louco, "reparou" que não tinha dinheiro para pagar a morcela que comera, à mão cheia e sem pão (lembro-me sempre do ancião dIAZ a dizer-me Comida sem pão é comida de galinfão), acompanhada de 10 ou + cervejas e rematada com trinta e quatro arrotos e meio que perfumaram todo o bar de cominhos e sangue cozido ao mesmo tempo que perguntava a quem lhe pagava a mesma Mas não tens bilhete para amanhã? Então qual é o teu nome completo? e depois lá fomos ziguezagueando pela 24 até ficarmos imobilizados em Alcântara devido à passagem do comboio de contentores da Evergreen, e Danny Mommens sai da carrinha para gritar Evergreeeeeen... always greeeeeeeeeeen e entra outra vez e acende um cigarro e aí vamos nós e deixamo-los à porta do então Penta, hoje Marriot e, no dia seguinte, enquanto eu e o Carlos estávamos nos últimos lugares da bicha ainda antes da abertura de portas, o Fontinha estava, expectante, na porta VIP e foi, por acaso, o primeiro nome a ser chamado e já tinha bebido não sei quantas cervejas quando eu e o outro nos conseguimos ver intra-portas.
A coisa decorreu com a normalidade que era, naquele tempo, quando não havia internet e a música alternativa era mesmo para quem tinha paciência de procurar em milhares de caixotes na Carbono - Av. Almirante Reis ou dinheiro para comprar a Uncut na Tema - Av. Liberdade, ir a um concerto de uma banda de culto com fracas possibilidades em termos de equipamento de som. No Turnpike, a electricidade foi abaixo 3x... o Roses chegou a dada altura numa cacofonia imperceptível. O mesmo vai, mas desde os primeiros acordes, para o Suds and Soda. Mas foi bom. E, como prometido, fomos ter ao backstage, mas os seguranças não nos deixaram entram, mesmo perante o But they're Danny's friends, man, what's the matter? do próprio Tom Barman, e o Danny lá atrás Never mind, man, we'll meet you at Kirks again e, nós, sem quaisquer esperanças, lá fomos. Não lá chegámos. Porque demorámos muito cá por baixo e, ali para o início da Rosa, Tom Barman estava a ser sugado por uma sanguessuga impúbere, e só parou porque nós, em uníssono, Hey Tooooom, e ele Hey you guys, did you like the gig? e mais não sei o quê e genuinamente interessado porque tanta coisa havia falhado e a pita, num inglês de Albuféra, suplicava C'mon, Tom, let's go de uma forma tão insistente que, às tantas, o homem quase gritou Shut up for a minute! People are talking!, e continuámos, então, o Carlos outra vez no modo CCP, o Fontinha em tom paternalista para a moçoila Olha lá... mas estás a falar inglês comigo também pra quê, pá? Eu já te topei, pá! e ela Deixem-me lá comer o gajo, pá, a Magda, que entretanto encontráramos por ali, a bicaense que eu, malfadadamente (ou não), conhecera na Ilha do Pessegueiro, apenas a olhar, com um ar divertidíssimo, para todo este WorstCaseScenario e eu, então como hoje, com um enorme Mas tu não reparas que sem o Stef a banda não é a mesma coisa? entalado na garganta!
Numa qualquer noite quente de dia 10 de um mês de Outubro qualquer de 2009...
Agora que já somos um país modernaço, com cheiro a Europa da boa, nesta Lx mais wannabe que nunca, tem que se vir fumar à rua. Na mesa ao lado da nossa, a morangada, Solnado, Pereira incluídas, desejava ter, ao lado do autocolante Proibido Fumar um outro, vermelho também, Proibido Pedir Autógrafos a Bem de Um Jantarinho Descansado. A mim não me pedem nada disso. Quando sim, é um cigarro. Na rua. Onde estou. Rua da Bica de Duarte Belo. Um pé em cada carril. Olhando a interessante transparência de umas cortinas do número 40 que permitem ver um corpo feminino despojado de roupas e arrefecido a ritmados golpes de leque ferindo o ar quente. Por pouco não o via... é que Passa Por Mim Na Bica aquele que me parece ser o Tom Barman... Hey Tom, e ele Hey... I Know You Maaaan e eu Ah pois lembras... do teu segundo concerto por terras lusas e, uns anos mais tarde, aquando do concerto dos Vive La Fête no Grémio Sesimbrense que coincidiu, mais ou menos, com a estreia do teu "Vai Onde o Vento Te Leva", estavas acompanhado do actor que era o personagem principal do filme e que também entrou no vídeo do "Roses"! e ele Yeah Man, you had long hair e eu Yah yah esquece lá isso... olha lá, não vens cá dar concertos pois não? e ele No, man, I'm on vacations, just showing Lisbon to some friends e eu E filmes, não? e ele Wow, I'm done with that... took me all my money mas tudo, TUDO o que eu queria ter dito era, mais uma vez, Mas tu não reparas que sem o Stef a banda não é a mesma coisa????
E vem-me à memória a Band In A Box, no Villaret, logo após a Lykke Li, no mesmo espaço, e a Santogold, no Tivoli do outro lado da Avenida... duas horas inteirinhas a pensar como seria hoje os dEUS se o Stef não tivesse seguido numa direcção tão oposta!
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