No lado esquerdo do palco, uma cabana em madeira, de telhado coberto de neve, destaca-se de todo o branco, do cenário ao chão. Caem, vagarosamente, pequenos flocos, que ajudam a manter a ambiência. O To Build A Home, dos Cinematic Orchestra, com a voz de Patrick Watson reverberando pela sala, faz o resto. Alguém caminha, a coberto de um manto, desde o lado direito, ao ritmo da música que pára às três pancadas na porta.
Celecanto – Abre, sou eu.
Nafertanta – Nesse caso podes bater! Não abrirei. Morrerás de frio. Odeio-te. Talvez não. Não.
Soa um oboé, ao qual se juntam três clarinetes, até que um destes, em solo, fica por trás da fala de Celecanto, um fundo lânguido e quase imperceptível...
Celecanto – Como podes fazer como se não / Como se o sim d’outrora fosse, então / Jogares a mão / a esse rosto e sabê-lo d’outro / pintando com o lápis-de-cor do diabo / o amanhã com cores que, ontem / foram sorrisos em (por) todo o lado.
Segura-me este ser todo que fui / Deita-o do alto da montanha / Para que grite com vil sanha / Bebe comigo esta hora / Esquece tudo, todos, ninguém / Te diga quanto, quando, AGORA!
A porta abre e uma mulher espreita, morena, muito morena, lábio inferior carnudo, ombros estreitos, finos, reluzentes. Está nua e tem os seios pequenos e rosados, perfeitos, que passam de rosa para uma tez negra, em contacto com o ar da noite.
Nafertanta – Entra... toldas-me com falas. E falas sem fazer. Sabes bem que sou d’outro mas de tanto te querer tenho a minha lareira acesa, a arder. Acalenta esta casa, parca de desejos, cheia de amores e paixões. Que por ti nunca terei. Aquece-te, porém, é o que hoje, e amanhã, terei. Nada mais.
Celecanto entra vagarosamente, entreolham-se por um segundo, ela continua fitando a figura que já deita o manto pelo chão, fecha a porta com ambas as mãos atrás das costas, desnudas, perfeitas, douradas.
Entra o Estrela do Mar.
Pela janela o público observa que ambos se enlaçam, ela afasta-o, ele puxa-a, ela bate-lhe com ambas as mãos nos ombros, possantes, largos, ele eleva-a no ar, ela cede.
As luzes baixam.
Palmas.
Ou não.
6 comentários:
LINDO, mê DIAZ...
Há uma capacidade enorme no ser humano de travar esse sentir que tanto nos faz sofrer...
És o meu herói! :o)
..daqueles que nos deixam em silêncio não por não merecer um bater de palmas efusivo, emocionado..mas pq no fim ficas..assim..
ainda assim percebo bem a parte do afastar por medo de que o outro comentário tb fala..será a eterna questão entre sentir e arriscar sofrer ou não sentir e evitar o sofrimento - qual Ricardo Reis - mas não vou estragar isto com divagações..o texto está perfeito, o resto é conversa. PIM!
Mudava uma outra música, contudo...
e amanhã outra vez
e depois e depois
Olha.. BOA! É isso MESMO!
trago aqui UMA LISTA Enormeeeeeeee de assinaturas, com o seguinte pedido: Nunca mas NUNCA mudar o primeiro tema! Gratos. ...trouxe a lista, porque ja sei que pedidos meus, aqui, valem o que valem!
fiquei muda e engoli em seco.
:)
é mais por aquela coisa do pequeno principe e a cobra debaixo do chapeu. a minha vida, um carrossel ou uma linha recta?
uma montanha russa.
alguém me perguntou um dia.
Enviar um comentário