...Nunca o disse, nem à principal visada que se predesporia a carregá-lo, que não haveria de ter um filho sem ter um quintal. Mas pensei-o! Muito. Uma coisa pequena, humilde, uma diminuta mancha verde para onde olhar enquanto comia, onde os pardais colheriam as migalhas (miolinhos, queria eu dizer) da minha torrada, onde haveria uma mesa com um copo de Terras do Pó, os meus pés também, nas pernas um livro qualquer que saiba bem com o cantar deste melro que, em Maio, ainda tenta deixar descendência. A minha correria por ali, sujar-se-ia na relva e andaria a cavalo no Oscar Tobias, incansável rafeiro. Pouco mais importaria, então, nem a laranjeira que definhava com tanto melaço do moscardo, nem os coentros que espigavam porque o calor é muito e o sol português, a hortelã de que só me lembro quando já cheira a canja, as malaguetas que já deram muitos frascos para os amigos e poucos para mim, que cá em casa o Gabriel ainda não está em idade de ser iniciado às artes. Lá vai o limoerio dando para o gasto que é pouco, ainda que precise de levar umas porradas ou de um prego espetado no tronco, por via da muita casca e pouco sumo. Valham-me Zé e Natália... criaram-me com artes de campo e resgataram-me duma Cruz de Pau que dava indícios de sobredesenvolvimento e, logo, parquíssima qualidade de vida. Optaram por um casal de filhos que andaria solto desde o nascer do sol até à hora em que um assobio longínquo que não ouvíamos içava as orelhas dos canitos... Estava na hora.
Decidiu a minha ascendência que as modernices tipo infantário, por via da infeliz necessidade de ter que se trabalhar, não existirão. Gabriel percorrerá, ainda com meses, com a devida assiduidade, um olival onde o Zé Dias já escolheu o ramo para o baloiço. Mais crescido, percorrerá as veredas que eu pisei, fará a casa no mesmo pinheiro manso, à espera de ver aparecer a Carla Simone, subirá à mesma amoreira, caçará lagartos, levará a Vanda para o mesmo eucalipto tombado, pegará sem medo nas cobras-rateiras, guardará segredo sobre o ninho de poupa no buraco da oliveira, encontrará uma ninhada de ouriços-cacheiros e descobrirá que, em pequenos, os espinhos não passam de pêlos, saberá qual o melhor sítio para apanhar pirilampos, terá grilos em gaiolas, jogará à bola no centro de um turbilhão de besouros que voam com ruído de motor 1,5cc num fim de dia de Agosto. Perguntar-me-á mil coisas a que saberei responder. Porque já fiz tudo isso. Porque já tive quintal. Agora tem ele. E só muitos anos mais tarde perceberá que a sorte sorriu-lhe como a poucos. Ou talvez não...
31 comentários:
Que afortunado é o teu Gabriel. E tu tb foste!
A nossa infância (digo nossa porque a diferença de idades não é assim tão grande) dava um livro, digno das aventuras do Tom Sawyer.
Quantos são os pais de hoje que deixam os filhos andar sozinhos de bicicleta pela estrada fora ou até fazer o percurso casa-escola-casa sem a supervisão deles? Quantos são os pais que deixam os putos ficarem sozinhos a brincar no parque e não os levam logo para o hospital mal chegam a casa com um arranhãozinho?
Bom, os tempos também são outros, não é verdade?
Conclusão: estes putos são uns meninos que nunca saberão o que é ter (verdadeiros) rituais de iniciação para entrar no grupinho da malta fixe do bairro!
Rituais iniciáticos é atirar os putos de óculos para cima das silvas!!!
eh pá, mariachi, tu e a espalha brasas são muita malucos! já agora, espalha, poderias descrever esses rituais?
Até podia, mas assim deixavam de ser rituais secretos. Não passaste por isso? Na altura todos os grupinhos tinham estas cenas.
não passei não! por isso queria saber...
Oh, é pena! Então... está bem! Não eram nada de transcendental (falo dos meus). Incluíam comer uma mistela de terra (formigas incluídas), com folhas e bagas esmagadas misturadas em água (na altura ninguém se lembrava de gamar álcool aos pais, isso foi uns aninhos depois) e saltar de skate de muros relativamente altos.
E mais não posso dizer... Já estou a trair os meus companheiros de grupo.
Agora, dos rituais da margem sul não posso falar.
eh pá! afinal, tive uma infância deprimente. nessa altura, acho que tinha uma galinha...
A sério? E como é que se chamava a franga?
Sissi
LOL! Sissi, a franga. E ela interagia contigo? Tipo, atiravas-lhe a bola e ela ia a corrrer buscar. Não? 'Tá bem!
Não, sua insensível! ela não ia buscar a bola... mas andava atrás de mim para todo o lado, tipo cãozito! era linda, a minha Sissi!
Quando eu trabalhei na Mouraria (agora trabalho para pessoas que nasceram na Musga), havia na porta em frente (R. da Amendoeira, 16) uma galinha pertencente a uma senhora de 52 anos com uma ligeira paralisia cerebral. Ave inteligente, optava por andar atrás da mãe daquela, a alcoviteira do bairro, que semanalmente nos brindava com um estendal de "panos do período", quais "carefree" da Velha Lisboa, de generosas nódoas (ou manchas?) atestando a fertilidade (ou não) da anciã! Interessante era ver a "Chica" correndo a empoleirar-se no postigo para ver a Tieta assim que soava o genérico! Era o acontecimento do dia. Embora o Ti' Agostinho ameaçasse a bicha com a panela de pressão, acabou Chica nas mandíbulas de um irritante pequinês albino, posse do traficante do andar de cima, o Cabeças!
Isto é tudo VERDADE!!!
O Gabriel começará a fazer aquilo que dá mais prazer na vida: descobrir o mundo, sem pressas. Nós, hoje, sempre cheios de pressa, não damos conta que as pequenas grandes descobertas já foram feitas. A um pai é sempre dada mais uma oportunidade de relembrar o melhor da vida com as vivências do rebento.
in "O Coração É Quem Manda", da editora Pergaminho
- não, estou a brincar! Parabéns Diaz, vais ser o melhor pai do Mundo!!!
Bambi, diz-me que a tua Sissi teve um final mais feliz que o da Chica!
não, querida espalha brasas, a Sissi teve um fim muito triste... QUE EU NÃO VOU CONTAR PORQUE ESTOU FARTA DE SER GOZADA COM ESTA MERDA
Por quem? Por mim não é de certeza porque eu curti bué da cena de teres uma galinha como animal de estimação. É quase tão giro como os rituais de iniciação.
ah, obrigada espalhinhas! fico mais contente!
Não fiques muito contente porque eu sou insensível. Eu disse que era quase tão giro, não que era giro teres uma galinha como animal de estimação.
Daqui a pouco este blog volta a ser um melaço só. Não pode ser bambi, temos que manter o nível.
ah tá bem. entao espera aí que eu vou pensar em qq coisa horrível para te dizer.
E são essas as grandes coisas q se desejam dar aos filhos. As melhores do mundo.
Soft, please!
Que belo texto, q nos faz recuar aos tempos felizes de infância... fico surpreendida apenas por saber q esperavas pela nossa simone em cima de um pinheiro...
Isso era porque ela ainda não conhecia a "speedy gonzalez" "baixinha" da Avenida e da secundária de Cacilhas ;-)
Heinrich, o emlhor pai do mundo é o meu, deixa-te de merdices ;-)
"ela" não, ele!!!! ;-)
Saudações ao people de ranholas, ou não !!!! ;-)
Lagartos? Cobras-rateiras? Ouriços-cacheiros? Pirilampos? Besouros?
Por acaso gostaria de saber por onde é que eles andam.
Ao que parece, a Cerieira está quase tão sobredesenvolvida quanto a Cruz de Pau e tenho muita pena que o meu sobrinho não venha a conhecer o quintal que eu conheci.
Ana Dias
Atão, mana Diaz??? Tás-te a passar? Não queres dizer à Bambi da galinha de estimação que tu também tiveste? E o coelho? E o pato? E a ouriça?
E as 518963 nódoas negras com que andavas sempre nas pernas?
Grande beijinho nesses verdes olhos que são o orgulho aqui do mamalhudo!!!
Sim, só da vez que caí do andaime foram 31227 nódoas negras, já para não falar dos pregos espetados....
Mas sabes do que tenho realmente saudades? É de comer Azedas. Já experimentei e não sabem à mesma coisa.
Bjinhos.
ya... verdade...
Eu, gourmet de azedas, tenho uma explicação!!! E tem a ver com cães a marcar território!
Tenho a certeza de que será um Gabriel feliz, saudável e maroto... e vai saber mais de bichinhos e da Natureza que outros meninos, que só conhecem o verde artificial do relvado entre prédios, no bairro da cidade onde nasceram e onde vivem...
Directamente de Legos: onde inglesas e alemãs obesas se "pavoneiam" na praia da batata de maminhas ao léu e rabos gigantones bem escaldados;num bar,de seu nome Shaker Bar, onde (após quatro imperiais e várias gargalhadas) tudo parece bem mais português... É que apesar do sul do país já fazer quase parte de tudo o que não é nacional, o que é certo é que as tuas palavras revelam que ainda existe uma esperança para o futuro dos putos... ou não... lollllll. Gabriel, meu amor,tu vais longe com o papá que tiveste a sorte de ter... Bem português, bem ele próprio... afinal de contas, o que é nacional é bom... beijo grande da Cátia e abraço do David
Enviar um comentário