Entrou no café com um turbilhão de gestos. Maneios e vocalizações que só a ele (e a mim, mas isso vale o que vale) não lembrariam os de um louco. Um semblante que mais seria o de um homem cansado que de velho, não obstante a cabeleira grisalha puxada, com rigores de "art-nouveau", para trás. Modos de camponês com obrigações de doutor. Um fato coçado, suspensórios, gravata de palmo, calças que um dia cobriram os tornozelos, antes do uso obrigar a novas baínhas. Gesticulava. Gesticulava muito. Disse algo indecifrável aos proprietários do estabelecimento que, a julgar pelas expressões de enfado e permissividade renitente, já o conheciam. Mais braços pelo ar, alguns perdigotos também, interjeições num timbre acima, depois o aceno de despedida e um "Feliz 13 de Maio", gritou por fim. Saíu com a mesma pressa, o passo apressado e a postura de quem vergou, a certa altura da vida, mas para sempre, ao insuportável peso de um carrego indesejado.
Já ao balcão, fiquei a saber que a suposta loucura tinha uma proveniência, mais que uma justificação. Foi, durante mais de 30 anos, porteiro e guarda no colégio católico mais prestigiado do país (ao que eu saiba, pelo menos), o Ramalhão. O Ramalhão exigiu-lhe os melhores serviços. Ele prestou-os com zelo e reverência, crendo como todo o bom católico apostólico romano que Deus fala ao rebanho pela boca dos Padres, Bispos, Papas e outros Judas Iscariotes que tais. Nunca descontou para a Segurança Social. O Ramalhão também não. Agora, miserável, conta com a boa-vontade de poucos e o desdém de quase todos. Do Ramalhão nunca mais ouviu falar. Mas todos sabem que o Ramalhão sabe da sua existência, ainda que seja só disso que deseja saber...
... how catholic is that?
5 comentários:
Há uns anos fiz uma reportagem sobre o Ramalhão. No geral, fiquei bem impresssionada apesar de chocada com os preços praticados (que tb não achei nada cristãos). Tenho um amigo cujos filhos estudam neste prestigiado colégio e tb não o vejo apontar qualquer aspecto negativo sobre o ensino e a forma como tratam as crianças. Histórias e opiniões sobre o Ramalhão sempre ouvi e sempre ouvirei, mas sobre outros colégios também. Esta particularmente deixou-me triste, é essa mesmo a palavra. E como católica que sou digo que isto não são de todo princípios cristãos. De forma alguma! Estou indignada!
Olha lá? E ele não se meteu nunca com nenhuma ramalhona, ou algumas das "pseudo carmelitas descalças" que por lá andam"??? Fez mal, pois devia!!! Isso deve ser da proximidade com Ranholas... Ui!!! Bacci
É inacreditável!!! Peca o senhor pela credulidade e o Colégio do Ramalhão pela... exploração?! Nem sei que nome lhe dê! Com o dinheiro que ganham dos pais dos meninos que lá andam, podiam, ao menos, aliviar um pouco a miséria do senhor... Isso sim, é ser-se cristão! Dizem!
Isto se os pais dos meninos que lá estão orientassem o dinheiro ao fim do mês. Entre a prestação do colégio e a do Grand Cherokee escolhe-se a segunda.
Boa, xusma!!!
És um gajo esclarecido, pá!
Só faltou mesmo o pormenor dos ovinhos estrelados com salsicha Isidoro a partir do meio do mês. Jantar fora só mesmo a cartão de crédito, perante o desespero do empregado de mesa brazuca que estava a contar com a gorjeta para beber um chôp no forró da Casa do Brasil, à R. da Misericórdia!
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