Quando colheste o rododendro e o pousaste sobre a orelha eu tinha 16 anos. Dizia-te poemas do Cohen. Decorados em casa, junto à lareira, enquanto o Conde de Contárrr cantava a música das bananas na ITT Ideal Color. Mas enganava-me e ríamos porque ficava a olhar para a madeixa de cabelo que assentava o rododendro branco na tua orelha. Como pai que puxa, numa noite fria, o cobertor até aos ombros de um filho. Que teima, à força de um sonho bom, em empurrar para baixo. Com os pés pequeninos. Nunca pensei que ainda hoje lá estivesse. O rododendro branco que apanhaste na avenida. Tudo o resto. E de cada vez que te puxo, ainda hoje, a madeixa de cabelo para trás da orelha, faço-o com mil cuidados. Quinhentos beijos. Cem abraços apertados. Para não estragar o rododendro branco que apanhaste na avenida e sorriste. Não vá ele murchar. Depois, decidido, chamei-te. À janela. Assomaste. Onde tens andado, mulher, perguntei. Por cima de ti um bando de estorninhos. Na orelha, assentado por uma madeixa, um rododendro branco que apanhaste na avenida e sorriste e mexeste as ancas como uma havaiana e rimos. Rimos muito. Ainda hoje. Nesse hoje, há quem empurre o cobertor para baixo à força de um sonho bom. Não faz mal. Eu puxo-o até aos ombros, em noites frias. Com os mesmos cuidados com que a madeixa te assenta o rododendro branco que apanhaste na avenida e sorriste e mexeste as ancas como uma havaiana e rimos e beijámo-nos com língua e ganas no meio do alcatrão esburacado até que o autocarro para o Porto Brandão buzinou. Ainda hoje.
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