Cabelo preto. Preto. Liso.
Caía sobre os ombros estreitos. Dois palmos dos seus. Com todo o peso dos olhos cansados que ele, bêbado de desejo e de vinho que não soubera escolher, fixava nas pontas dos dedos dela, finos. Finos. Curtos. Perfeitos. Que ela passava por dentro do
Cabelo preto. Preto. Liso.
E fazia aparecer como pequenas promessas de futuros menos cinzentos, disponíveis em várias cores e entregues ao domicílio sem custos adicionais*.
a) O indicador, carmim, urgente paraíso da carne.
b) O médio, verde, plácido prado de familiaridades e gostos em comum.
c) O anelar, anil, gélido mar de anos e anos de contemplação mútua, mas também não se via assim muito bem, a ponta do dedo surgindo por entre o
Cabelo preto. Preto. Liso.
Ela deslizou a língua entre os lábios grossos. Grossos. Rubros. Antes de sussurrar numa voz doce. Doce. Aspartamo. Há mousse para a sobremesa. Queres? Ele baixou, pela primeira vez, os olhos. Fixou algo que não viu. Que nunca recordará. Pensou em tudo o que permitiria responder Em nada! caso a fatídica pergunta surgisse. E veio a habitual bruma dos sentidos. Que o cobria. Gelando até aos ossos. Quando não a via. Ou temia perdê-la. A dormência dermóide. Que era não se ter em si de não se ter nela. Todo. Assim. Fundidos. Fechados. Lacrados. E enviados para uma Vivenda O Nosso Sonho qualquer. Com andorinhas do Bordallo. Fitou-a outra vez. Para que todo aquele peso lhe saísse dos ombros. Não os dela, estreitos. Dois palmos dos seus. Tudo voltou a fazer sentido. Mesmo quando disse Não. Prefiro que te descalces. Ela, que sabia muito bem o que vinha a seguir, decidiu não adiar. E adiante foi, inclinando-se sobre a mesa. O
Cabelo preto. Preto. Liso.
Caiu sobre os restos de esparguete. E pimento. E azeitonas. No prato. Ele sentiu-lhe o hálito. Quente. E recordou. As Carícias. As Delícias. As Malícias. E a vez em que tiveram de parar porque na rua alguém atropelara um cão. E de como ela gania. E de como ele grunhia. No fim. Por fim, fechou os olhos. Ela tão perto. Acerca. A cerca. Que ela erguera. Um dia. Podia jurar que conseguia ouvir-lhe as pestanas a pousar uma sobre a outra. Flap | Flap | Flap | Flap
Espero que as claras não tenham caído. Estou menstruada, disse-lhe ao ouvido.
*Esta promoção está sujeita à disponibilidade e não pode ser acumulada com outras.
Sem comentários:
Enviar um comentário