É, de quando em vez, a exclamação que aqui pinga, a conta-gotas, de ano a ano.
Não como quem não tem mais nada que me diga, mas que diga eu, um dia, para quem não saiba, que a culpa é tua!
Sei apontar o dedo ao momento em que sonhei escrever para viver.
Foi o mesmo em que sonhei viver [a escrever] apenas o tempo suficiente que me permitisse não esquecer como Blimunda guardava, na cabeceira, um pouco de miolo de pão para que não visse a alma de Baltasar.
Invejei-te tantas vezes como Portugal dos Eruditos, o dos Pequeninos também.
Mas por razões diferentes.
Que me levavam, de qualquer forma, a defender-te para lá da razão.
Uma estupidez, enfim.
Afinal, nem te conheço.
Um ou outro autógrafo, apertos de mão de adolescente diante da imagem do seu desejo de futuro.
E depois nobelizaram-te.
E nem assim.
Uma inveja feia, destrutiva, almejando sujar de fealdade páginas e páginas de uma mancha de texto homogénea, sem parágrafos ou aspas ou pontos onde nos pudéssemos agarrar a fim de não nos perdermos na tua escrita.
Que era, afinal, o que acontecia sempre.
A mim, pelo menos.
Garantia, contra tudo e todos, que algumas das tuas ideias e lógicas, tão pueris, só podiam vir de uma meninice [como tu o dirias] que reencontraste no teu amor andaluz.
E os Outros, incapazes de aceitar que alguém possa Fugir por uma Mulher, como rezam tantas e tantas Estórias de Amor, acusaram-te de renegar a pátria, assim como quem mui militarmente fala de deserção por não saber que a felicidade neste mundo são os mesmos dedos finos passando anos a fio sobre a nossa face até que sulquem rugas.
Pátria, dizem eles, quando nenhuma das centenas de traduções de ti se te pode igualar, não por nada de especial, apenas porque não há, em nenhuma das outras línguas, menores quando é de ti que se fala, tantos sinónimos para o teu léxico.
Pátria, quando tudo o que é nosso se esmaga, impunemente, dia após dia.
E tu, que renegaste a pátria, levas uma língua de mil anos palmilhar mil léguas.
Não é, como sabes, a primeira vez que te escrevo aqui. Mas hoje apetecia-me apertar-te a mão com a mesma admiração juvenil da outra vez, lembras-te? Não posso. Já sou um homem. Que é poder assumir, sem vergonhas, que ponho sempre um pouco de ti em tudo o que escrevo. Por respeito. Aceita, assim, um abraço forte, bem forte, à homem, palmada nas costas e tudo.
Só para poder esconder esta lágrima!
sexta-feira, junho 18, 2010
quinta-feira, junho 17, 2010
New Age
Se eu disser que sempre vivi PARA e DE música acha-se que, no espaço máximo de um ano, irei concorrer a um programa televisivo do qual vou sair com um disco gravado, uma digressão paga e uma turba de imberbes pitas que, por hora, até são jeitosas mas que, como têm demonstrado as evidências dos últimos dez anos, estarão gordíssimas aos 30, lambendo o ketchup da MacDonalds dos cantos da boca com a mesma sensualidade com que um dromedário rumina o que ainda lhe resta num dos quatro estômagos.
Porquanto, di-lo-ei de outra forma.
Não me lembro de um só dia da minha vida em que não tenha ouvido, propositada e atentamente, música.
Não estou a dizer que tal não tenha ocorrido, estou apenas a dizer que, a haver, apaguei-o da memória.
Talvez não a um ou outro momento em que, não estando a ouvir música, achei que o Tema Tal encaixava ali muito bem.
Lembro-me de ter visto, com Popitz, a Björk a compor músicas com os ritmos dos comboios nos carris ou do fabrico de panelas no Dancer In The Dark e pensar Meu dEUZ, dIAZ, as vezes que tu fazes isto!
Não me lembro de viagens para a escola secundária sem walkman, faculdade e primeiros trabalhos sem discman ou, mais recentemente, sem leitor de MP3... Elas existiram, claro, mas sempre devido a causas óbvias como faltas de pilhas ou bateria. Mas era tudo um inferno e as pessoas mais feias e o dia mais cinzento, triste, de sentidos despertos para buzinas, conversas de chacha e outras coisas que interessam pouco mais que nada.
Lembro-me de, na fase das Rádios Piratas, esperar horas pelos meus temas favoritos e então, muito rapidamente para que o início também constasse, fazer rec no gravador mono usado para fazer entrar os jogos no ZX Spectrum e encostá-lo à coluna da aparelhagem.
Lembro-me das K7's gravadas às namoradas com todos os autocolantes preenchidos de forma a que, mesmo que inaudível, passasse a ser um objecto de decoração.
Lembro-me das K7's gravadas às que eu queria que fossem minhas namoradas, verdadeiras obras de arte.
Não me lembro de um só texto que tenha escrito sem phones nos abanos.
Lembro-me de todas as músicas que serviram de fundo a momentos determinantes e não dos momentos determinantes que estavam para lá da música que tocava, como o Mighty Joe Moon dos Grant Lee Buffalo quando tive o primeiro acidente de carro, o Bernice Bobs Her Hair dos Divine Comedy quando lhe pus o cabelo atrás da orelha e a puxei para o beijo de uma vida, o Take Me Out dos Red House Painters quando ela disse Sim ou, na minha cabeça, o To Build A Home dos Cinematic Orchestra quando peguei a primeira vez no meu filho.
Lembro-me de como, nos ensaios da banda, era sempre eu que aumentava o volume, suave indício.
Lembro-me de como me tocou o It's All Gonne, Pete Thong e de reconhecer, de algures, aquele apito do lado esquerdo, das perdas de equilíbrio e das leves pontadas.
Lembro-me de como uma lágrima me caiu quando o médico disse 75% no esquerdo, 80% no direito, com tendência a piorar, e de não ter pensado numa só música para aquele momento.
Porquanto, di-lo-ei de outra forma.
Não me lembro de um só dia da minha vida em que não tenha ouvido, propositada e atentamente, música.
Não estou a dizer que tal não tenha ocorrido, estou apenas a dizer que, a haver, apaguei-o da memória.
Talvez não a um ou outro momento em que, não estando a ouvir música, achei que o Tema Tal encaixava ali muito bem.
Lembro-me de ter visto, com Popitz, a Björk a compor músicas com os ritmos dos comboios nos carris ou do fabrico de panelas no Dancer In The Dark e pensar Meu dEUZ, dIAZ, as vezes que tu fazes isto!
Não me lembro de viagens para a escola secundária sem walkman, faculdade e primeiros trabalhos sem discman ou, mais recentemente, sem leitor de MP3... Elas existiram, claro, mas sempre devido a causas óbvias como faltas de pilhas ou bateria. Mas era tudo um inferno e as pessoas mais feias e o dia mais cinzento, triste, de sentidos despertos para buzinas, conversas de chacha e outras coisas que interessam pouco mais que nada.
Lembro-me de, na fase das Rádios Piratas, esperar horas pelos meus temas favoritos e então, muito rapidamente para que o início também constasse, fazer rec no gravador mono usado para fazer entrar os jogos no ZX Spectrum e encostá-lo à coluna da aparelhagem.
Lembro-me das K7's gravadas às namoradas com todos os autocolantes preenchidos de forma a que, mesmo que inaudível, passasse a ser um objecto de decoração.
Lembro-me das K7's gravadas às que eu queria que fossem minhas namoradas, verdadeiras obras de arte.
Não me lembro de um só texto que tenha escrito sem phones nos abanos.
Lembro-me de todas as músicas que serviram de fundo a momentos determinantes e não dos momentos determinantes que estavam para lá da música que tocava, como o Mighty Joe Moon dos Grant Lee Buffalo quando tive o primeiro acidente de carro, o Bernice Bobs Her Hair dos Divine Comedy quando lhe pus o cabelo atrás da orelha e a puxei para o beijo de uma vida, o Take Me Out dos Red House Painters quando ela disse Sim ou, na minha cabeça, o To Build A Home dos Cinematic Orchestra quando peguei a primeira vez no meu filho.
Lembro-me de como, nos ensaios da banda, era sempre eu que aumentava o volume, suave indício.
Lembro-me de como me tocou o It's All Gonne, Pete Thong e de reconhecer, de algures, aquele apito do lado esquerdo, das perdas de equilíbrio e das leves pontadas.
Lembro-me de como uma lágrima me caiu quando o médico disse 75% no esquerdo, 80% no direito, com tendência a piorar, e de não ter pensado numa só música para aquele momento.
segunda-feira, junho 14, 2010
Contos Magrebinos
Choras como uma mulher a perda de um reino que não conseguiste manter como um homem, terá dito a mãe do último rei de Granada ao encontrá-lo, desfeito em lágrimas, na fonte ao centro de um qualquer pátio que, com o tempo, se convencionou chamar de andaluz.
Ainda hoje, nos países do Magreb [Marrocos, Argélia e Tunísia], pesa a nostalgia da perda da Alhambra. E ainda hoje, porque também nós fomos serracenos, dizemos que Um Homem Não Chora.
Sidi Bou Said é, aparte a vertente "Atracção Turística Tunisina por Excelência", um lugarejo bonito. Muito perto das ruínas da quase mítica Cartago, foi lugar de poiso dos andaluzes despojados da sua terra. Numa colina sobranceira ao plácido Mediterrâneo, não tardou que o então característico verde e amarelo das planícies do sul espanhol fosse substituído por cromáticas mais coincidentes com a paisagem. E, hoje, subsiste o branco de cal em tudo o que não seja portas ou janelas. Que são azuis. O mesmo azul. Imagino que, algures em Tunis, haja um fabricante de tintas que, ao invés de um Pantone, usa a referência SBS001 para designar Azul Sidi Bou Said (10.000 Dinares o Litro).
Gatos e vendedores, vendedores e gatos. De longe em longe, alguém faz a sua vida, tentando ignorar a turba de estranhos. Despejando um balde de água no pátio, orando virado a Meca, saboreando um chá à sombra de uma figueira de proporções humildes mas frutos pingões. De resto, uma íngrame rua onde se tentam vender, de forma insistente, os habituais recuerdos de origem duvidosamente sustentável. A abordagem é sempre a mesma:
Ainda hoje, nos países do Magreb [Marrocos, Argélia e Tunísia], pesa a nostalgia da perda da Alhambra. E ainda hoje, porque também nós fomos serracenos, dizemos que Um Homem Não Chora.
Sidi Bou Said é, aparte a vertente "Atracção Turística Tunisina por Excelência", um lugarejo bonito. Muito perto das ruínas da quase mítica Cartago, foi lugar de poiso dos andaluzes despojados da sua terra. Numa colina sobranceira ao plácido Mediterrâneo, não tardou que o então característico verde e amarelo das planícies do sul espanhol fosse substituído por cromáticas mais coincidentes com a paisagem. E, hoje, subsiste o branco de cal em tudo o que não seja portas ou janelas. Que são azuis. O mesmo azul. Imagino que, algures em Tunis, haja um fabricante de tintas que, ao invés de um Pantone, usa a referência SBS001 para designar Azul Sidi Bou Said (10.000 Dinares o Litro).
Gatos e vendedores, vendedores e gatos. De longe em longe, alguém faz a sua vida, tentando ignorar a turba de estranhos. Despejando um balde de água no pátio, orando virado a Meca, saboreando um chá à sombra de uma figueira de proporções humildes mas frutos pingões. De resto, uma íngrame rua onde se tentam vender, de forma insistente, os habituais recuerdos de origem duvidosamente sustentável. A abordagem é sempre a mesma:
Eles - Italiano?
Eu - Naaaaa...
Eles - Español?
Eu - Pffffffff...
Eles - Benfica?
Eu - Yap!
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