segunda-feira, fevereiro 15, 2010

AMAR A MAR BATIDO - A Project by BILMA

ECRÃ 16:9 - Escrita branca sobre fundo preto, em silêncio:

Mata-me a mar
com gosto a vento
sob nós a areia
que sulcamos
de estranho alento!

INTRO - O silêncio persiste, o ecrã negro também, entra a voz off:

A língua de areia que dobra o Tejo segue a sul, em direcção a um sol mais assíduo.
E é de pés bem assentes nessa, fina e dourada que, à direita, se avista Sintra e a sua perpétua névoa, como que um floco de algodão sobre o cume.
Verão no pino, é bem ali que o sol espraia os seus últimos raios, o recorte do Palácio da Pena bem definido contra um púrpura que anuncia, tão longe daqui, mar farto de peixe já em frente.
À esquerda, o promontório de onde nos vigia Nossa Senhora dos Navegantes, capela bem à ponta da escarpa, destino de romaria que, em tempos, nem na Cova da Iria tinha par.
Da vista desse Espichel nem o mar corso nos furta, uma presença bela mas como que fantasmagórica, um pedaço de terra como uma estaca espetada bem no peito desse mar que tanto dá e lá vai tirando.
É talvez por isso que não o dobramos, nunca.
É como um Adamastor de poetas mais humildes.
O cabo é a real a fronteira com o Sul.
Uma linha que as duas geografias, a humana e a outra, tornam mais evidentes que quaisquer administrações.
Dali para baixo, a maior baía portuguesa, Sesimbra, Setúbal, Tróia e a mágica Arrábida que apascenta as águas, azul cobalto de se ver o fundo, um mar que não se faz ouvir, daquele que só serve para olhar, parece que não foi lá posto para outra coisa. Só depois a costa mais selvagem da Europa.
Mas, aqui, equidistantes do Monte da Lua e da Serra do Sol, mesmo em frente, à distância de poucos passos, o mar até ao fim.
Bravo, corso, irado e, às vezes, chão.
Atrás, a arriba, amarela e laranja vivo ao ocaso, já o grito das gralhas anuncia a recolha da nortada.
No topo desta, o Parque Natural da Arriba Fóssil, reserva botânica de onde descem raposas e texugos em busca do peixe que deixamos na areia.
A Apostiça, uma mancha florestal que vai daqui ao pinhal de Coina, refúgio de cucos, bufos reais, águias-de-asa-redonda, falcões peneireiros, pegas rabudas e bicharada de menor monta mas não importância.
A lagoa de Albufeira, sustento das gentes quando o mar não deixa sair as chatas.
A estrada conspurcada pelas raízes do pinheiro manso mas coberta pelas copas dos mesmos, que traz forasteiros de estio.
Vêm de Lisboa, a escassos 15 minutos, e de muito mais além.
Mas não sabem que há vida na Fonte da Telha aldeia, para lá da Fonte da Telha praia.
Uma vida daquela que morre por essa costa lusa acima.
Uma vida que um falso progresso mata a golpes de prédios para forasteiro ver.
Lugares de quem lá vive mudados ao gosto de quem lá vai.
Não aqui.
É amar incondicionalmente ou largar agora.
Porque o que se mostra aqui é um Portugal inteiro que se perdeu...

INÍCIO - Tasca do Zé, o estabelecimento mais antigo da Fonte da Telha, 17h32

Faísca, um antigo, está ao balcão, esse que veio, há mais de 50 anos, de uma padaria que fechara em Lisboa. Entra Mário Rui e queda-se ao lado do outro. Fita a câmara e pergunta-lhe:
Mário Rui: Atã qué istatão?
Faísca: É sê lá. Parece q'andem a fazer umas filmáges àcá d'agente!

Entra GENÉRICO - Ao som desta, fast forward do Marquês do Pombal à Fonte da Telha. A imagem pára ao mesmo tempo que a música e é o som do mar que fica, durante 30 segundos. Todo o ecrã é a praia. Passa, da direita para a esquerda, um tractor que puxa uma chata. Atrás deste vem o título:

AMAR A MAR BATIDO

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Estreia prevista para final de 2010

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

São rosas, meu amo... são rosas!

Tento, num esforço por vezes desumano, que o pequeno mas prolífero cérebro de Mariachito não seja maculado por vis visões adultas de verdades que nem sequer são, na sua esmagadora maioria, absolutas. Um planeta colorido, povoado de coisas belas onde nem sequer os monstros são assustadores - obrigado, Maurice Sendak, Spike Jonze e Tim Burton - é, por agora, uma missão cumprida por mim e por quem, comigo, ajuda a fazer com que aquele sorriso, contagiante, sincero e espontâneo, esteja ali, da boca bem desenhada aos olhos enormes e negros, desde que acorda até serem horas da estória, que sabe sempre de cor. Não tenho sido, pois, eu a educá-lo. Ou porque não me concedo tal profissionalismo ou porque, afinal, tem sido ele quem me mostra um Mundo Novo, Admirável porque mais inocente que o do Huxley, Apaixonante porque vem explicado numa voz de falsete a quem os anos ainda não tiraram a ingenuidade. Nem sequer os primeiros dentes, quanto mais. E quando não sorri olha. Com olhos de ver coisas mais bonitas onde estão aquelas em que eu nunca repararia, distante de toda a fealdade que os anos trazem nas garras. Como quando andamos de carro a chover. Eu conduzo com vontade de cuspir escarras virais na testa de quem faz da faixa do meio a ciclovia da vida, ele olha, sonhador, para as gotas que se deslocam, ziguezagueando, no vidro. Eu dou máximos ao palhaço que trava à minha frente sem razão aparente, ele continua a olhar, piscando de quando em vez, para as gutícolas que dançam. Eu chamo palhaço ao palhaço que não faz pisca para a esquerda, ele persiste na sua contemplação. Eu pergunto-lhe "O que estás a ver, filho?" ele responde "As águas cadentes"!