Pai,
Liga-me a ti esta corrente que traz, em cada elo, uma recordação das boas.
É por isso que me obrigo a justificar o que se segue, para que não se apodere de ti a fria sensação de um filho que segue um ideal perpendicular, depois de tantos anos paralelos que fomos.
Que fique escrito na pedra Foste, És e Serás Sempre o Meu Herói, se não é isso que é ser filho, o que seria deste mundo?
Este fardo de te dizer que abandonei um ideal pesa-me por saber que o tínhamos ambos, que este era um braço dado que ninguém podia quebrar, como vazio é o sentimento que me causa.
Pensa, se te aleijar, que foi esse humanismo a que me obrigaste, esse dever de dar sempre um pouco de mim aos outros, que me levou a isto.
Sei que a piada da família é Foste Feito no 25 de Abril.
Sei que o tio António interrompeu a minha feitura batendo à janela e gritando Há chaimites por Lisboa toda, é a revolução, o mesmo que, pouco depois do 25 de Novembro, buzinava pela Ponte afora, para que se desviassem desse Fiat 128 verde-garrafa transportando a parturiente.
Sei que esse peso nos ombros, o de ser literalmente um Filho da Revolução, me fez lutar, entre tantas coisas, contra o lugar-comum que era relacionar o 25 de Abril com Comunismo ou Socialismo. Era apenas Liberdade...
Qual Liberdade, pai?
Que coisa é esta de já teres netos e continuares com medo que o teu filho fique, de um momento para o outro, sem fonte de rendimento?
Foi para isso que houve revolução?
Que coisa é esta da obediência civil feita de olhares cabisbaixos quando algum fedelho a quem pagas o ordenado diz que estás contra a lei, uma lei para a qual não foste visto nem achado?
Foi para isso que sorriste, e riste e bebeste copos naquele dia, feliz pelo futuro?
Que coisa é esta de teres trabalhado como um moiro e continuares a contar os tostões?
Foi para isso que pensaste que tudo mudaria?
Que é isto de não poderes falar quando pensas que tudo está mal, quando tudo está, de facto, mal?
É isto a que chamaram, um dia, Liberdade?
E agora, quem faz uma revolução?
Os filhos da mesma, como eu, que fomos chamados de Geração Rasca?
A geração anterior à minha, novos-ricos que nasceram sem nada e por isso acham que o sonho da vida reside num BMW e numa vivenda em Azeitão ou num monte num Alentejo que nem sequer compreendem?
A geração depois da minha, que tudo tem e mais quer sem desconfiar que os espera um Mundo Cão que eles próprios ajudam a criar?
E agora, quem vai invadir a Rádio Difusora Nacional, cantando alguma coisa que será, entretanto, o Hino dos Tansos, para bradar, 35 anos a fio, antes do fogo-de-artifício à meia-noite?
E depois, quando se fizer a revolução? Vai continuar sem morrer ninguém, para que ELES percebam que podem fazer TUDO, TUDO MESMO, porque nós comemos e calamos? E, pior, continuaremos a sair à rua, uma vez ao ano, outros 35 anos, festejando uma liberdade que nunca o foi!!!
Tansos! Uma Nação de Otários! E eles a Comer Tudo, a Deixar Nada e, pior que antes, a rir a bandeiras despregadas!!!
A Liberdade que o 25 de Abril trouxe é como o Orgasmo Feminino no tempo de Salazar:
Todas ouviam falar dele...
... mas vê-lo...
4 comentários:
FODA-SE!
pt tenho saudades de um copo e dois dedos de conversa. ;-)
Sem palavras...
Dos melhor que já li entre as tuas prosas, desde os velhos tempos da Ego. Gostei mesmo
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