quarta-feira, junho 21, 2006

Dizer poesia...

Ele há gajos esquecidos. Tanto melhor! É uma forma de redescobrir, de quando em vez, linhas perdidas que gatilham o arrepio na espinha. No caso do Pessoa já é difícil, tanto que se lê e ouve, ou o O'neil com o seu "há mar e mar, há ir e voltar", que o Instituto dos Socorros a Náufragos nunca lhe pagou.
Temos que Mário-Henrique Leiria, esse mal amado autor de coisas como...

"O QUE ACONTECERIA
SE O ARCEBISPO DE BEJA
FOSSE AO PORTO
E DISSESSE QUE ERA NAPOLEÃO
Toda a gente acreditava que era. O presidente da Câmara nomeava-o Comendador. Iam buscar a coluna de Nelson, tiravam o Nelson e punham o arcebispo lá em cima. E davam-lhe vinho do Porto.
Então o arcebispo dizia:
- Sou a Josefa de Óbidos.
Ainda acreditavam que era, embora menos. O presidente da Câmara apertava-lhe a mão. Iam buscar o castelo de Óbidos, tiravam os óbidos e punham o arcebispo na Torre de Menagem. Além disso, davam-lhe trouxas d’ovos.
Nessa altura, convicto, o arcebispo de Beja afirmava:
- Sou o arcebispo de Beja.
Não acreditavam. Davam-lhe imediatamente uma carga de porrada. E punham-no no olho da rua. Nu."

... é também o autor de "Rifão Quotidiano". E foi com a lagriminha no canto do olho que vi o Mário Viegas, nessa série de cd's que o Público agora edita, dizê-lo com aquela mestria. A dele! Imaginem:

"Uma nêspera
estava na cama
deitada
muito calada
a ver
o que acontecia
chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a
é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece"

É bom demais!

1 comentário:

BlueAngel aka LN disse...

Mário Viegas era simplesmente um génio!